O CÓDIGO SECRETO DE LEONARDO DA VINCI
É uma das mais famosas – e resistentes – obras de arte do mundo. O fresco de Leonardo da Vinci, A Última Ceia, é a única peça que resta da primitiva igreja de Santa Maria delle Grazie, próximo de Milão, encontrando-se na única parede original que permaneceu de pé depois de o bombardeamento aliado ter reduzido a escombros o resto do edifício, durante a segunda guerra mundial.
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
01 – O CÓDIGO SECRETO DE LEONARDO DA VINCI – Livro “The Templar Revelation – Secret Guardians of the True Identity of Christ” de Lynn Picknett e Clive Prince.
Embora muitos outros artistas consagrados, como Ghirlandaio e Nicolas Poussin – mesmo um pintor idiossincrático como Salvador Dali – também tenham oferecido ao mundo a sua versão desta relevante cena bíblica, é a cena de Leonardo que, por alguma razão, mais tem prendido a imaginação de todos.
Por toda a parte se vêem versões desta cena, tocando os dois extremos do espectro do gosto, desde o sublime até o ridículo. Algumas imagens podem ser tão familiares que nunca são verdadeiramente examinadas e, embora estejam patentes ao olhar do observador e convidem a um exame mais minucioso, ao seu nível mais profundo e significativo elas permanecem, de fato, como livros totalmente fechados. É o que sucede com a A Ultima Ceia de Leonardo – e, estranhamente, com todas as suas outras obras.
Santa Maria delle Grazie (“Santa Maria da Graça”, em italiano) é uma igreja e convento dominicano em Milão, norte da Itália, incluído na lista dos Patrimônios Mundiais pela UNESCO. A igreja é famosa pela pintura da A Última Ceia de Leonardo da Vinci, que foi pintada na parede do refeitório do convento.
Seria a obra de Leonardo (1452-1519) – esse atormentado gênio da Itália renascentista – que nos arrastaria (os autores) para um caminho que conduziu a descobertas tão assombrosas nas suas implicações que, a princípio, parecia impossível: impossível de que gerações de “acadêmicos eruditos” não tivessem observado o que saltava ao nosso olhar surpreendido – e impossível que uma informação tão explosiva tivesse permanecido pacientemente, durante todo este tempo, à espera de ser descoberta por escritores como nós, à margem da corrente dominante da investigação histórica ou religiosa.
Assim, para começar a nossa história propriamente dita, temos de regressar à A Última Ceia de Leonardo e examiná-la com novo olhar. Este não é o momento para a considerar no contexto das familiares hipóteses histórico-artísticas. É o momento adequado para a examinar como um recém-chegado à mais familiar das cenas a olharia, para afastar dos olhos as vendas do preconceito e, talvez pela primeira vez, olhá-la verdadeiramente.
A figura central é, claro, a de Jesus Cristo, que Leonardo, nas suas notas para a obra, refere como «o Redentor». (No entanto, avisa-se o leitor para não fazer aqui suposições óbvias.) Contemplativo, Jesus olha para baixo e ligeiramente para a esquerda, com as mãos estendidas sobre a mesa, como se apresentasse uma dádiva ao observador. Como esta é a última Ceia, na qual, segundo o Novo Testamento, Jesus iniciou o sacramento do pão e do vinho, exortando os seus discípulos a partilhar deles como a sua «carne» e o seu «sangue», seria razoável esperar que um cálice ou uma taça de vinho estivesse colocada em frente de Jesus, para ser abrangido por aquele gesto.
Afinal, para os cristãos, esta refeição teve lugar imediatamente antes da «Paixão» de Jesus, no jardim de Getsâmane, quando Ele pediu fervorosamente que «este cálice se afaste de mim […]» outra alusão à imagem vinho/sangue – também antes da sua morte por crucificação, quando o seu sangue foi derramado em nome de toda a Humanidade (n.t. isto segundo o dogma da igreja romana). Contudo, não há vinho em frente de Jesus (e apenas uma quantidade simbólica, em toda a mesa). Pode acontecer que aquelas mãos estendidas estejam a fazer o que, segundo os artistas, é essencialmente um gesto sem significado?
À luz da ausência de vinho, talvez não seja por acaso que, de todo o pão que está sobre a mesa, muito pouco esteja realmente partido. Como Jesus identificou o pão com o seu próprio corpo, que ia ser despedaçado no sacrifício supremo, estará a ser transmitida alguma mensagem sutil acerca da verdadeira natureza do sofrimento de Jesus?
Contudo, isto é apenas a ponta do iceberg da não-ortodoxia representada nesta pintura. No relato bíblico, é o jovem São João – conhecido pela alcunha «O discípulo Amado» – que está tão próximo de Jesus que se reclina «no seu peito». Contudo, na representação de Leonardo, este jovem não se reclina tanto, como exigia o «cenário» bíblico, mas inclina-se, afastando-se exageradamente do Redentor, com a cabeça quase provocantemente inclinada para a direita. Mas, no que diz respeito a esta personagem, isso não é tudo, porque devíamos perdoar aos que vêem a pintura pela primeira vez por alimentarem estranhas incertezas quanto ao chamado São João. Porque, embora seja verdade que as predileções pessoais do artista tendiam a representar a epítome da beleza masculina como um tanto efeminada, certamente é para uma mulher que estamos olhando.
A “ruiva” Maria Madalena como o apóstolo João?
Tudo «nele» é surpreendentemente feminino. Embora o fresco possa estar envelhecido e desbotado, ainda se pode distinguir as mãos pequenas e graciosas, as feições bonitas e delicadas, o peito distintamente feminino e o colar de ouro. Esta mulher, porque seguramente é uma mulher, também usa roupas que a distinguem como sendo especial. Elas refletem a imagem das roupas do Redentor: enquanto um veste uma túnica azul e um manto vermelho, o outro veste uma túnica vermelha e um manto azul, de estilo idêntico (n.t. talvez no original seja azul, nesta reprodução esta verde). Mais nenhum dos presentes à mesa usa um traje que, desta maneira, reflita o de Jesus. Mas também mais nenhum dos presentes à mesa é uma mulher.
Central à composição global é a forma que Jesus e esta mulher constituem em conjunto – um M enorme e aberto, quase como se estivessem literalmente unidos na anca e se tivessem zangado ou se tivessem afastado. Tanto quanto sabemos, nenhum acadêmico se referiu a esta personagem feminina como não sendo São (apóstolo) João, e a forma de um M ultrapassou-os. Como descobrimos durante a nossa investigação, Leonardo era um excelente psicólogo que se divertia apresentando aos seus patronos, que o encarregavam de pintar cenas religiosas clássicas, imagens muito heterodoxas, sabendo que as pessoas encarariam com equanimidade as mais surpreendentes heresias porque, geralmente, elas só viam o que esperavam ver.
Se formos encarregados de pintar uma cena cristã clássica e apresentarmos ao público algo que superficialmente pareça sê-lo, o seu simbolismo dúbio nunca será questionado. Contudo, Leonardo devia ter esperado que talvez outros, que partilhavam a sua invulgar interpretação do Novo Testamento, reconhecessem a sua versão ou que, um dia, alguém, algures, um observador objetivo, captasse a imagem desta misteriosa mulher ligada à letra M e fizesse as perguntas óbvias. Quem era este M e por que razão era tão importante? Por que arriscaria Leonardo a sua reputação – mesmo a sua vida, naqueles tempos da pira funerária flamejante da Inquisição – para a incluir nesta crucial cena cristã?
Fosse ela quem fosse, o seu próprio destino não parece estar seguro porque uma mão se atravessa em frente do seu pescoço, graciosamente inclinado, no que parece ser um gesto ameaçador. Também o Redentor é ameaçado por um dedo indicador estendido, positivamente apontado ao seu rosto com óbvia veemência. Tanto Jesus como «M» parecem totalmente alheios a estas ameaças, aparentemente perdidos no mundo dos seus pensamentos, cada um, à sua maneira, sereno e calmo.
Mas é como se símbolos secretos estivessem sendo usados, não apenas para avisar Jesus e a sua companheira dos seus destinos separados mas também para transmitir (ou talvez recordar) ao observador uma informação que, de outro modo, poderia ser perigoso tomar pública no século de Da Vinci. Estaria Leonardo usando esta pintura para transmitir alguma crença particular (ou Oculta), que teria sido quase loucura compartilhar com uma audiência mais vasta, de qualquer forma mais óbvia? E podia acontecer que essa crença tivesse uma mensagem para muito mais pessoas além do seu círculo imediato, talvez mesmo para nós, nos dias de hoje, agora?
Continuemos a examinar esta obra espantosa. À direita do observador do fresco, um homem alto, de barba, inclina-se exageradamente para falar com o último discípulo sentado à mesa. Ao inclinar-se, ele voltou completamente as costas ao Redentor. É este discípulo – São Tadeu ou São Judas – que se admite ter por modelo o próprio Leonardo Da Vinci. Nada do que os pintores renascentistas representassem era acidental ou incluído simplesmente por razão estética, e este exemplar específico da sua época e da sua profissão era famoso por ser adepto do double entendre visual. (A sua preocupação de usar o modelo adequado a cada um dos vários discípulos pode detectar-se na sua perversa sugestão de que o irritante prior de Santa Maria posasse para a personagem de Judas!) Então, por que se representaria o próprio Leonardo a desviar o olhar de Jesus de forma tão óbvia?
Leonardo pintou A Última Ceia, um incrível trabalho, o mais sereno e distante do mundo temporal, durante anos caracterizado por conflitos armados, intrigas, preocupações e emergências. Ele a declarou como concluída, embora eternamente insatisfeito, e continuou trabalhando nela. Foi exposta a vista de todos e contemplada por muitos. Desde então ele foi considerado sem discussão como um dos primeiros mestres da Itália, senão o primeiro. Os artistas vinham de muito longe, para, no refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie, analisar cuidadosamente a pintura, copiando-a e discutindo-a. O rei da França, ao chegar em Milão, acariciou a ideia impossível de remover o afresco da parede para levar para o seu país. Durante a sua realização muitas lendas foram tecidas em torno do mestre e seu trabalho. Os relatos de Bandello e Giraldi, dedicados a temas radicalmente diferentes, incluíram também a gênese de A Última Ceia
Há mais. Uma mão anômala aponta uma adaga ao estômago de um discípulo que é uma pessoa separada de «M». Por nenhum esforço de imaginação essa mão podia pertencer a alguém sentado àquela mesa, porque é fisicamente impossível aos que estão próximos terem-se voltado para colocar a adaga naquela posição. Contudo, o que é verdadeiramente espantoso nesta mão sem corpo não é tanto o fato de ela existir mas que em todas as nossas leituras sobre Leonardo apenas tivéssemos encontrado duas referências a essa mão, e que revelam uma estranha relutância em encontrar nela algo de anormal. Como o São João, que é realmente uma mulher, nada podia ser mais óbvio – e mais bizarro – logo que foi detectado, contudo ele é completamente ignorado pelo olhar e pela mente do observador, por ser tão extraordinário e tão chocante.
Ouvimos dizer, muitas vezes, que Leonardo era um cristão piedoso cujas pinturas religiosas refletiam a profundidade da sua fé. Como vimos até agora, pelo menos uma delas contém imagens altamente dúbias, em termos de ortodoxia cristã, e a nossa investigação, como veremos mais tarde, revela que nada podia estar mais longe da verdade do que a ideia de que Leonardo era um verdadeiro crente – isto é, um crente em qualquer forma aceite ou aceitável do catolicismo romano. Nesta altura, as estranhas e anômalas características de uma única das suas obras parecem indicar que ele tentava revelar-nos outro estrato do significado daquela familiar cena bíblica, de outro mundo de fé, para além do desenho reconhecido da imagem fixada naquele mural do século XV próximo de Milão.
Seja qual for o significado dessas inclusões heterodoxas, elas estão, e não é de mais acentuá-lo, em total desacordo com o catolicismo ortodoxo. Este fato não é novidade para os atuais materialistas/racionalistas porque, para eles, Leonardo foi o primeiro verdadeiro cientista, um homem que não tinha tempo para qualquer forma de superstições ou de religião, que era a verdadeira antítese do místico ou do ocultista. Mas também eles foram incapazes de ver o que estava claramente exposto aos seus olhos. Pintar A Última Ceia sem uma quantidade significativa de vinho é o mesmo que pintar o momento crítico de uma coroação sem a coroa: ou não atinge o objetivo ou atinge outro diferente, a ponto de o identificar como abertamente herético, alguém que possuía crenças religiosas, mas crenças que estavam em desacordo, talvez mesmo em guerra, com as da ortodoxia católica.
E descobrimos que outras obras de Leonardo sublinham as suas obsessões heréticas específicas, através de imagens cuidadosamente aplicadas e consistentes, o que não aconteceria se o artista fosse um ateu, simplesmente interessado em ganhar a vida. Estas inclusões e símbolos desnecessários são mais, muito mais, do que a resposta satírica do cético a este tipo de incumbências – não são o mesmo que pintar um nariz vermelho a São Pedro, por exemplo. O que estamos observando na A Última Ceia, e noutras das suas obras, é o código secreto de Leonardo da Vinci, que julgamos ter uma importância espantosa para o nosso mundo atual.
Pode discutir-se que tudo em que Leonardo acreditou ou não acreditou era apenas o ponto fraco de um homem, para mais um homem notavelmente excêntrico, cuja história estava cheia de paradoxos. Podia ter sido um solitário, mas era também o animador de um grupo; desprezava os cartomantes, mas as suas contas registam dinheiro pago a astrólogos; era vegetariano e afetuoso amigo dos animais, mas o seu afeto raramente se estendia à Humanidade; dissecava obsessivamente cadáveres e assistia às execuções com um olhar de anatomista; era um profundo pensador e um mestre de enigmas, de artes mágicas e de mistificação. Dado este complexo panorama, não seria de estranhar que as suas ideias pessoais sobre religião e filosofia fossem invulgares, mesmo sutis.
Apenas por esta razão, podia ser tentador considerar as suas crenças heréticas como irrelevantes para o mundo atual. Enquanto, de modo geral, se admite que Leonardo tinha um enorme talento, a moderna tendência para um «historicismo» arrogante procura desvalorizar as suas realizações. Afinal, quando ele estava no apogeu, até a técnica de impressão era uma novidade. O que poderia ter um inventor isolado desses tempos remotos, tão primitivos, para oferecer ao mundo atual que é continuamente informado, navegando na Internet, e que pode, numa questão de segundos, se comunicar por telefone, celular, e-mail,Facebook, etc, com pessoas de continentes que ainda não tinham sido sequer “oficialmente” descobertos na sua época? Há duas respostas para esta pergunta. A primeira é que Leonardo não era, para usar um paradoxo, um gênio vulgar.
Dado que muitas pessoas sabem que ele desenhou máquinas voadoras e primitivos tanques militares, algumas das suas invenções eram tão inverossímeis para a sua época que algumas pessoas mais excêntricas sugeriram mesmo que ele devia ter tido visões do futuro. Os seus desenhos de uma bicicleta, por exemplo, só se tornaram conhecidos depois de 1960. Ao contrário das penosamente prolongadas fases de ensaio do aperfeiçoamento da primeira bicicleta vitoriana, a bicicleta de Da Vinci tinha duas rodas do mesmo tamanho, uma corrente e um mecanismo de engrenagem. Mas, ainda mais fascinante que o verdadeiro desenho, é saber, em primeiro lugar, o que o teria levado a inventar uma bicicleta. O homem sempre desejou voar como as aves, mas ter uma motivação para pedalar ao longo das estradas imperfeitas é completamente mistificador (e, ao contrário de voar, não figura em qualquer fábula clássica). Leonardo também previu o telefone, entre muitas outras futuristas pretensões à fama.
A bicicleta projetada por Leonardo Da Vinci
Se Leonardo foi um gênio ainda maior do que os livros de história admitem, resta saber que possível conhecimento podia ter possuído, e que causaria impacto, de forma significativa e prolongada, cinco séculos após a sua morte. Embora se possa discutir que os ensinamentos de um rabino (Jesus Cristo) do século I teriam menos relevância para o nosso tempo e lugar, também é verdade que algumas idéias são universais e eternas e que a verdade, se puder ser encontrada ou definida, nunca é essencialmente enfraquecida pela passagem dos séculos.
Não foi, contudo, nem a filosofia de Leonardo (quer evidente quer dissimulada) nem a sua arte que primeiro nos atraíram para ele. Foi a sua obra muito paradoxal, uma obra que é incrivelmente famosa e, ao mesmo tempo, muito pouco conhecida, que nos arrastou para a nossa intensa investigação de Leonardo. Como já descrevemos pormenorizadamente no nosso último livro, descobrimos que ele foi o maestro que forjara o Sudário de Turim, que há muito se julgava ter sido miraculosamente impresso com a imagem de Jesus no momento da Sua morte. Em 1998, os testes de carbono provaram a todos, exceto a um punhado de fanáticos crentes desesperados, que o (tecido do) Sudário era um artefato do final da época medieval ou do princípio da época da Renascença, mas, para nós, ele permanecia uma imagem verdadeiramente notável – para não exagerar. Na nossa opinião, o primordial era a questão da identidade do mistificador. Quem quer que tivesse criado esta espantosa “relíquia”, tinha de ser um gênio.
O Sudário de Turim, como toda a literatura – tanto a favor como contra a sua autenticidade – reconhece, comporta-se como uma fotografia. Ele exibe um curioso «efeito negativo», o que parece uma vaga queimadura, a olho nu, mas que pode ser vista em nítido pormenor em negativo fotográfico. Porque nenhuma pintura conhecida se comporta deste modo, o efeito negativo tem sido considerado pelos «sudaristas» (crentes de que é verdadeiramente o Sudário de Jesus) como prova das qualidades milagrosas da imagem. Contudo, descobrimos que a imagem do Sudário de Turim se comporta como uma fotografia porque é isso exatamente que ele é.
Por incrível que possa parecer, a princípio, o Sudário de Turim é uma fotografia. Nós, juntamente com Keith Prince, reconstituímos o que julgamos ser a técnica original e, ao fazê-lo, tornamo-nos as primeiras pessoas a reproduzir as características do Sudário de Turim, inexplicáveis até então. E, apesar de os sudaristas alegarem que isso era impossível, fizemo-lo usando equipamento extremamente básico. Usamos uma câmara escura (uma câmara com um pequeno orifício), pano com revestimento químico, tratado com materiais facilmente disponíveis no século XV, e grandes doses de luz. Contudo, o objeto da nossa experiência fotográfica foi o busto em estuque de uma rapariga, o qual, infelizmente, estava a anos-luz do estado do modelo original. Porque, embora o rosto do Sudário não fosse, como foi cabalmente demonstrado, o rosto de Jesus, ele era, de fato, o rosto do próprio mistificador, de Leonardo. Em resumo, o Sudário de Turim é, entre muitas outras coisas, uma fotografia, com quinhentos anos, do próprio Leonardo da Vinci, impressa em tecido da mesma época.
A imagem impressa no santo sudário de Turim
Apesar de algumas curiosas alegações em contrário, isto não pode ter sido obra de um piedoso crente católico. O Sudário de Turim, visto em negativo fotográfico, mostra o corpo despedaçado e sangrento de um homem. Devemos lembrar que este não é um sangue comum, porque para os cristãos ele não seria apenas literalmente divino: é também o veículo através do qual o mundo pode ser redimido. Na nossa opinião, não se pode forjar aquele sangue e ser considerado crente – nem se pode ter o mínimo respeito pela pessoa de Jesus e substituir a Sua imagem pela de si próprio. Leonardo Da Vince fez ambas as coisas, com cuidado meticuloso e mesmo, suspeita-se, com certo prazer. É claro que ele sabia que, como suposta imagem de Jesus – porque ninguém perceberia que era a imagem do próprio florentino -, o Sudário seria venerado por apreciável número de peregrinos, mesmo durante a sua vida.
Pelo que sabemos, ele manteve-se na sombra, observando a veneração dos peregrinos – o que estava de acordo com o que conhecemos do seu caráter. Mas calcularia Leonardo o número de peregrinos que, ao longo dos séculos, fariam o sinal da cruz em frente da sua imagem? Imaginou que, algum dia, “pessoas inteligentes” se converteriam ao catolicismo simplesmente por olhar para aquele rosto belo e torturado? E poderia ele ter previsto que a imagem cultural que o Ocidente faz do aspecto de Jesus teria origem na imagem do Sudário de Turim? Teria percebido que, um dia, milhões de pessoas de todo o mundo adorariam a imagem de um herético homossexual do século XV em vez do seu amado Deus, que, literalmente, Leonardo da Vinci ia tornar-se a imagem de Jesus Cristo?
Pensamos que o Sudário esteve muito perto de ser a mais chocante – e bem sucedida – peça pregada à história (e à massa dos ignorantes). Mas, embora tenha enganado milhões, ele é mais do que um hino à mistificação de mau gosto. Pensamos que Leonardo aproveitou a oportunidade para criar a suprema relíquia católica como veículo de duas coisas: uma técnica inovadora e uma fé (e conhecimento oculto) herética codificada. Era muito perigoso – como os acontecimentos iriam mostrar – tornar pública a técnica da primitiva fotografia, naquela era paranoica e supersticiosa. Mas, sem dúvida, Leonardo divertiu-se ao assegurar que este protótipo estava ao cuidado dos sacerdotes que ele próprio desprezava. É claro que era possível que esta irônica curadoria sacerdotal fosse pura coincidência, apenas um acidente fatal numa história já extraordinária, mas, para nós, ela sugere a paixão de Leonardo pelo controle total que, como vemos aqui, se estendia para além da sepultura.
O Sudário de Turim, embora seja uma mistificação e uma obra de gênio, também contém certos símbolos que sublinham as obsessões pessoais de Leonardo, como em outras das suas obras, de modo geral, mais aprovadas. Por exemplo, na base do pescoço do homem do Sudário existe uma distinta linha de demarcação. Quando a imagem no seu todo, se transforma num «mapa de contornos», usando a mais sofisticada tecnologia computadorizada, vemos que a linha marca a extremidade inferior da imagem frontal da cabeça e existe como um mar de escuridão uniforme, sem imagem, imediatamente abaixo da linha, até que a imagem começa novamente na parte superior do tórax.
Acreditamos que há duas razões para este fato. Uma é puramente prática, porque a imagem frontal impressa é uma composição; o corpo é o de um homem verdadeiramente crucificado, e o rosto é o de Leonardo, assim, essa linha, talvez necessária, indica a «junção» das duas imagens. Contudo, o mistificador não era um simples artífice, e ter-lhe-ia sido fácil obscurecer ou remediar aquela linha de demarcação denunciadora. E se Leonardo não desejasse, de fato, eliminá-la? E se a deixasse ali, deliberadamente, para a consideração “dos que tivessem olhos para ver”?
Que possível heresia pode conter o Sudário de Turim, mesmo em código? Certamente há um limite para os símbolos que se podem ocultar numa imagem simples e rígida de um homem nu crucificado – e uma imagem que já foi analisada pelos cientistas, usando o equipamento adequado? Embora na altura devida regressemos a este tema, digamos, por agora, que se pode responder a estas perguntas olhando, de novo, para dois aspectos fundamentais da imagem. O primeiro diz respeito à abundância de sangue vivo que parece correr livremente pelos braços da pseudo imagem de Jesus – e que pode parecer, superficialmente, contradizer a falta de vinho sobre a mesa da A Última Ceia, mas que, de fato, reforça este ponto particular.
Quadro “O Batismo de Cristo”, trabalho dos artistas Andrea del Verrocchio e Leonardo da Vinci que mostra São João Batista batizando Jesus Cristo.
O segundo diz respeito à óbvia linha de demarcação entre a cabeça e o corpo, como se Leonardo estivesse a chamar a nossa atenção para uma decapitação… Tanto quanto sabemos, Jesus não foi decapitado e a imagem é uma composição, portanto, somos chamados a considerar as imagens de duas pessoas distintas que, no entanto, estavam intimamente ligadas, de alguma maneira. Mas, no entanto, por que deveria alguém que foi decapitado ser colocado «acima» de alguém que foi crucificado?
Como veremos, esta indicação da cabeça decapitada, no Sudário de Turim, é apenas um reforço dos símbolos de muitas outras obras de Leonardo. Já vimos como a anômala mulher jovem «M», na A Última Ceia, está aparentemente ameaçada por uma mão que se atravessa sobre o seu delicado pescoço, e como o próprio Jesus está a ser ameaçado por um dedo indicador estendido, apontado ao seu rosto, aparentemente como um aviso – ou, talvez, uma advertência, ou ambos. Nas obras de Leonardo, este indicador estendido é sempre, em todos os casos, uma referência direta a João Batista.
Este santo, o alegado precursor de Cristo, que exortou o mundo a «contemplar o Cordeiro de Deus», cujas sandálias ele não era digno de desatar, foi de suprema importância para Leonardo, se julgarmos pela sua onipresença nas obras de Leonardo que ainda subsistem. Esta obsessão, em si mesma, é curiosa em alguém que os modernos racionalistas consideram não ter tido tempo para a religião. Um homem, para quem todas as personagens e tradições do catolicismo romano nada valiam, dificilmente teria dedicado tanto tempo e energia a um santo específico como ele dedicou a João Batista. Continuamente, é este João que domina a vida de Leonardo, tanto a nível consciente, nas suas obras, como a nível sincrônico, nas circunstâncias que o rodeavam.
Por exemplo, a sua amada cidade de Florença é dedicada a este santo, tal como a catedral de Turim, em que o forjado Santo Sudário se conserva com grande aparato. A sua última pintura, que, com a Mona Lisa, se encontrava no quarto em que Leonardo morreu, sem ser reclamada, era de João Baptista, e a sua única peça de escultura que subsiste (executada em conjunto com Goivas Francesco Rustici, um famoso ocultista) também representava Batista. Encontra-se agora na entrada para o batistério de Florença, muito acima das cabeças dos turistas e, infelizmente, danificada pelos irreverentes bandos de pombos.
O dedo indicador estendido – o que chamamos o «gesto de João» – foi realçado em A Escola de Atenas (1509) de Rafael. Aqui, vemos a venerável figura de Platão fazendo este sinal, mas em circunstâncias que não são uma alusão tão misteriosa como se podia suspeitar. De fato, o modelo de Platão foi o próprio Leonardo, obviamente fazendo um gesto que, de certo modo, não só lhe era característico como também profundamente significativo para ele (e, presumivelmente, também para Rafael e outros do seu círculo). Caso se pense que estamos exagerando o que designamos por «o gesto de João», examinemos outros exemplos dele na obra de Leonardo.
Mona Lisa também conhecida como A Gioconda é a mais notável e conhecida obra de Leonardo da Vinci, um dos mais eminentes homens do Renascimento italiano.
Este gesto figura em várias das suas pinturas e, como dissemos, tem sempre o mesmo significado. Na sua inacabada Adoração dos Magos (começada em 1481), um figurante anônimo faz este gesto junto de um monte de terra onde cresce uma alfarrobeira. A maioria dos observadores não repara nele, porque os seus olhos são inevitavelmente atraídos para o que julgam ser o objetivo do quadro – como o título sugere, a veneração da Sagrada Família pelos «homens sábios» ou magos. A bela e sonhadora Virgem, com Jesus ao colo, é pintada como uma figura insípida e descolorida. Os magos se ajoelham, apresentando à Virgem os seus presentes para a criança, enquanto, ao fundo, um grupo se movimenta, aparentemente para também adorar a mãe e a criança. Mas, como na A Última Ceia, esta também só superficialmente é uma pintura cristã e merece um exame mais minucioso.
No primeiro plano, os devotos dificilmente são exemplos de saúde e beleza. Magros até ao ponto de parecerem cadáveres, as suas mãos estendidas parecem estar levantadas, não tanto em assombro, mas mais como se estivessem a despedaçar o par duma forma assustadora. Os magos apresentam a suas dádivas – mas apenas dois dos lendários três magos. Oferecem incenso e mirra, mas não ouro. Para as pessoas do tempo de Leonardo, o ouro não só significava riqueza imediata como era também um símbolo de realeza – e, aqui, ela estaria sendo negada a Jesus.
Se olharmos para detrás da Virgem e dos Magos, parece haver um segundo grupo de devotos. Estes são muito mais saudáveis e têm um aspecto mais normal – mas, se seguirmos a linha do seu olhar, é óbvio que eles não estão olhando para a Virgem nem para a criança, mas parece que estão a venerar as raízes da alfarrobeira, para a qual um homem está fazendo o «gesto de João». E a alfarrobeira é tradicionalmente associada a João Batista…
No canto inferior direito da pintura, um homem jovem afasta-se deliberadamente da Sagrada Família. Admite-se que este homem seja o próprio Leonardo, mas o argumento um tanto fraco usado para explicar esta aversão – que o artista se sentia indigno de os enfrentar – dificilmente convencerá, porque Leonardo é muito famoso por não ter sido apreciador da Igreja romana e dos seus “ensinamentos”. Além disso, a personagem de São Tadeu ou São Judas da A Última Ceia também se afasta ostensivamente do Redentor, sublinhando, assim, uma resposta emocional extrema às figuras centrais da história católica. E, como Leonardo dificilmente era a epítome da piedade ou da humildade, não é provável que esta reação tenha sido inspirada por um sentimento de inferioridade ou de espírito de adulação.
Voltando ao belo e obsidiante cartão de Leonardo para a Virgem e Jesus com Santa Ana (1501), que embeleza a National Gallery de Londres, novamente se encontram elementos que deviam perturbar – mas raramente perturbam – o observador, devido às suas implicações subversivas. O desenho mostra a Virgem e o menino, com Santa Ana (mãe de Maria) e João Batista, em criança. O menino Jesus, aparentemente, está a abençoar o seu primo João, que olha para cima. pensativo, enquanto Santa Ana lança, de muito perto, um olhar perscrutador ao rosto alheado da filha – e está fazendo o «gesto de João» com uma mão, curiosamente grande e masculina.
Contudo, este dedo indicador estendido eleva-se imediatamente acima da pequena mão com que Jesus está abençoando, como se a ensombrasse literal e metaforicamente. E, embora a Virgem pareça estar sentada numa posição extremamente desconfortável – de fato, quase como numa sela de amazona – é a posição do menino Jesus que é particularmente estranha. A Virgem segura-o como se o impelisse para a frente para dar a bênção como se o introduzisse no quadro apenas para abençoar, mas apenas o mantém ali com dificuldade. Entretanto, João, indiferente encosta-se no joelho de Santa Ana, desinteressado da honra que lhe está a ser concedida. Poderia ser possível que a própria mãe da Virgem estivesse recordando à filha algum segredo relacionado com João Baptista?
A Virgem dos Rochedos (Louvre)
Segundo a respectiva nota da Natiomal Gallery, alguns críticos de arte, intrigados com a juventude de Santa Ana e com a presença anômala de João Batista, levantaram a hipótese de a pintura representar Maria e a sua prima Isabel – a mãe de João. Parece uma hipótese plausível, e, se for correta reforça o ponto essencial. Esta aparente inversão dos habituais papéis de Jesus e de João Batista também se verifica numa das duas versões da Virgem dos Rochedos de Leonardo. Os historiadores de arte nunca explicaram satisfatoriamente a razão de existirem duas versões, mas uma delas é atualmente exibida na National Gallery de Londres, e a outra – para nós, a mais interessante – encontra-se no Louvre, em Paris.
A encomenda original partiu de uma organização conhecida por Confraria da Imaculada Conceição, e era de uma única pintura, destinada a ser a peça central de um tríptico para o altar da capela da Confraria na Igreja de San Francisco Grand, em Milão. (As outras duas pinturas do tríptico foram encomendadas a outros artistas.) O contrato, datado de 25 de Abril de 1483, ainda existe e lança alguma luz interessante sobre o quadro esperado – e sobre o que os membros da Confraria realmente receberam. Especifica cuidadosamente a forma e a dimensão da pintura que desejavam – uma necessidade, porque a moldura para o tríptico já existia. Estranhamente, ambas as versões acabadas de Leonardo correspondem a estas especificações, embora se desconheça por que razão Leonardo fez duas versões. Podemos, no entanto, arriscar uma suposição acerca destas interpretações divergentes e que tem pouco a ver com perfeccionismo e mais com um conhecimento do seu potencial explosivo.
O contrato também especifica o tema da pintura. Devia representar um acontecimento, que não se encontra nos Evangelhos, há muito presente na lenda cristã. Era a história relativa à fuga para o Egito, quando José, Maria e o menino Jesus se tinham abrigado numa caverna do deserto, onde encontraram o pequeno João Batista, que estava protegido pelo arcanjo Uriel. A particularidade desta lenda era o fato de ela permitir uma fuga a uma das mais óbvias e embaraçosas questões levantada pela história do Evangelho acerca do batismo de Jesus. Por que devia Jesus, supostamente JÁ NASCIDO SEM pecado, precisar ser batizado, dado que o ritual do batismo efetuado por João é um gesto simbólico do arrependimento, da remoção dos pecados e do compromisso de religiosidade futura para quem esta sendo batizado? Por que devia o próprio Filho de Deus (presumidamente SEM PECADO) ter-se submetido ao que era, manifestamente, um ato de autoridade da parte de Batista?
Esta lenda revela como, neste encontro curiosamente fortuito das duas crianças sagradas, Jesus conferiu a seu primo João a autoridade para o batizar quando ambos fossem adultos. Por várias razões, parece-nos muito irônico que a Confraria fizesse esta encomenda a Leonardo, mas também podíamos suspeitar de que Leonardo teria ficado encantado ao recebê-la – e ao fazer a sua interpretação muito particular, pelo menos, numa das versões.
Ao gosto da época, os membros da Confraria tinham especificado uma pintura suntuosa e muito ornamentada, com grande quantidade de dourados (a cor simbólica do Cristo), muitos querubins e velhos profetas do Antigo Testamento para preencher o espaço. O que acabaram por receber foi muito diferente, a ponto de as relações entre eles e o artista se tornarem acrimoniosas, culminando num processo judicial que se arrastou durante mais de vinte anos. Leonardo preferiu representar esta cena o mais realisticamente possível, sem figuras estranhas – para ele, não deviam existir gordos querubins nem sombrios profetas da desgraça. De fato, as dramatis personae foram, talvez, excessivamente reduzidas, porque, embora esta cena supostamente descreva a fuga para o Egito, José sequer figura nela.
A versão do Louvre, que foi a primeira, apresenta uma Virgem vestida de azul, com um braço protetor à volta de uma das crianças; a outra faz grupo com Uriel. Curiosamente, as duas crianças são idênticas, mas o mais curioso ainda é a criança que está junto de Uriel, que está abençoando a outra, e a criança de Maria é que está ajoelhada, em subserviência. Este fato levou os historiadores de arte a presumir que, por qualquer razão, decidiu colocar João junto de Maria. Afinal, não existem rótulos para identificação individual na pintura, e a criança que tem autoridade para abençoar tem de ser Jesus.
A Virgem dos Rochedos (Londres)
Existem, no entanto, outras maneiras de interpretar este quadro, que não só sugerem insistentes mensagens subliminares ocultas e muito heterodoxas como também reforçam os códigos usados noutras obras de Leonardo. Talvez esta semelhança das duas crianças sugira que Leonardo estava deliberada e intencionalmente a mistificar a identidade das duas crianças. E, enquanto Maria estende um braço protetor em torno da criança geralmente reconhecida como Jesus, a sua mão direita está estendida acima da cabeça de «Jesus», no que parece ser um gesto de manifesta hostilidade. E o que Serge Bramly, na sua recente biografia de Leonardo, descreve como «fazendo lembrar as garras de uma águia». Uriel está apontando para o filho de Maria mas também, de forma significativa, olha enigmaticamente para o observador – isto é, afasta deliberadamente o olhar da Virgem e da criança. Embora seja mais fácil e mais aceitável interpretar este gesto como indicação de qual das crianças irá ser o futuro Messias, há outros significados possíveis.
E se a criança de Maria, na versão do Louvre de A Virgem dos Rochedos, for Jesus – como é lógico esperar – e o jovem, que está junto de Uriel, for João? Não esquecer que, neste caso, é João que está a abençoar Jesus, estando este a submeter-se à autoridade do primeiro. Uriel, como especial protetor de João, evita mesmo olhar para Jesus. E Maria, protegendo o filho, estende uma mão ameaçadora, muito acima da cabeça do pequeno João. Algumas polegadas diretamente abaixo da palma da mão estendida de Maria, atravessa-se a mão indicadora de Uriel, como se os dois gestos estivessem a circunscrever uma indicação oculta.
É como se Leonardo estivesse a indicar que um objeto, uma coisa importante – mas invisível – devia preencher o espaço entre os dois gestos. Neste contexto, não é, de modo nenhum, fantasista compreender que se pretende que os dedos estendidos de Maria pareçam estar colocados sobre uma cabeça invisível enquanto o dedo indicador de Uriel atravessa o espaço, exatamente onde se encontraria o pescoço. Esta cabeça fantasma flutua precisamente acima da criança que está junto de Uriel… Assim, esta criança está, afinal, efetivamente rotulada, por que qual das duas crianças iria morrer decapitada? E, se for realmente João Baptista, ele é apresentado a abençoar, detentor do estatuto superior.
Contudo, quando voltamos à versão da National Gallery, muito mais tardia, verificamos que desapareceram todos os elementos necessários para fazer estas deduções heréticas – mas apenas esses elementos. As duas crianças são muito diferentes na aparência, e a que está com Maria carrega a cruz de haste longa, tradicional de João (embora seja verdade que ela possa ter sido acrescentada, mais tarde, por outro artista). Nesta versão, a mão direita de Maria também está estendida acima da outra criança, mas agora sem sugestão de ameaça. Uriel já não está a apontar nem desvia o olhar da cena.
É como se Leonardo nos convidasse a «descobrir as diferenças» – desafiando-nos a tirar conclusões dos pormenores anômalos. Este tipo de exame à obra de Leonardo revela um excesso de correntes ocultas, herméticas, provocadoras e perturbantes. Parece haver uma repetição do tema de João Batista, usando vários símbolos e sinais habilmente subliminares. Continuamente, João e as imagens que o indicam se elevam acima da figura de Jesus – mesmo, se tivermos razão, nos símbolos tão astuciosamente colocados no próprio Sudário de Turim.
Há uma motivação nesta insistência, não apenas na complexidade das imagens que Leonardo usava mas, de fato, no risco que ele correu ao apresentar ao mundo esta heresia inteligente e subliminar em uma época de pleno vigor da Inquisição. Talvez, como já sugerimos, a razão por que ele não acabou a maior parte da sua obra não fosse tanto o fato de ser um perfeccionista mas antes por estar demasiado consciente do que lhe poderia acontecer se alguém importante compreendesse, sob a fina camada de ortodoxia, a completa «blasfêmia» que se encontrava quase à superfície da maioria de suas obras. Talvez mesmo o gigante intelectual e físico que era Leonardo tivesse algum cuidado para não criar complicações com as autoridades – para ele, uma vez fora suficiente.
Contudo, ele não tinha necessidade de arriscar a cabeça por introduzir estas mensagens heréticas nas suas pinturas, a não ser que tivesse nelas uma fé arrebatada. Como já vimos, longe de ser o materialista ateu tão querido de alguns modernistas, Leonardo estava profunda e seriamente comprometido com um sistema de crenças que fluía em sentido totalmente inverso ao que era na época, e ainda é, a corrente oficial do cristianismo. É aquilo a que muitas pessoas preferem chamar «oculto».
Para muitos, Da Vinci foi um alto iniciado nas ciências herméticas, no ocultismo, o que esta evidente na simbologia, quase herética, encontrada em suas obras.
Atualmente, para a maioria das pessoas, esse é um mundo que tem conotações imediatas e não totalmente positivas. Supõe-se que significa magia negra ou as artimanhas de charlatães depravados – ou ambas. De fato, a palavra «oculto» significa simplesmente «escondido» (dos ignorantes) e é vulgarmente usada em astronomia, tal como na descrição de um corpo celeste «ocultando» ou eclipsando outro. No que diz respeito a Leonardo, podíamos concordar que, embora existissem elementos na sua vida e nas suas crenças que sugerem ritos sinistros e práticas mágicas, também é verdade que o que ele procurou estava acima e além de tudo o mais, o conhecimento. Contudo, grande parte do que ele procurava tinha sido efetivamente «ocultado» pela sociedade – em particular, por uma poderosa e onipresente organização. Nessa época, por toda a Europa, a Igreja desaprovava qualquer experiência científica e tomava medidas drásticas para silenciar os que tornavam públicas as suas opiniões heterodoxas ou particularmente pessoais.
No entanto, Florença – onde Leonardo nasceu e cresceu e em cuja corte começou a sua carreira – era um centro florescente de uma nova vaga de conhecimento. Isto, com bastante surpresa, devia-se inteiramente ao fato de esta cidade ser um refúgio para numerosos ocultistas, alquímicos e mágicos influentes. Os primeiros patronos de Leonardo, a família De Medici, que governava Florença, encorajavam ativamente o estudo do oculto e patrocinavam mesmo investigadores para procurar, e traduzir, tratados específicos perdidos.
Este fascínio pelo arcano não era o equivalente renascentista dos atuais horóscopos dos jornais. Embora existissem inevitáveis áreas de investigação que nos pareceriam ingênuas ou claramente supersticiosas, existiam também muitas mais que representavam uma séria tentativa de ir um pouco mais longe e descobrir o modo de controlar as forças da Natureza. Sob esta perspectiva, talvez não seja tão extraordinário que o próprio Leonardo fosse, como julgamos, um participante ativo na cultura ocultista da sua época e lugar. E a notável historiadora Dame Frances Yates sugeriu que toda a chave do gênio de grande alcance de Leonardo podia residir nas ideias de magia contemporâneas.
Os pormenores das verdadeiras filosofias, tão dominantes neste movimento ocultista florentino, encontram-se no nosso livro anterior 13, mas, resumidamente, o fator de condenação de todos os outros grupos da época era o hermetismo, cujo nome deriva de Hermes (Thoth no Egito) Trismegisto, o Três Vezes grande, embora lendário, mago egípcio cujos livros apresentam um sistema coerente de magia. Indiscutivelmente, a parte mais importante do pensamento hermético era a ideia de que o homem, de algum modo, É literalmente divino – uma ideia que, em si, era tão ameaçadora para o domínio da Igreja sobre os corações e as mentes do seu rebanho (ignorante) que era (e ainda é) considerado anátema.
Os princípios herméticos estavam certamente representados na vida e na obra de Leonardo, mas, ao primeiro olhar, pareceria haver uma notória discrepância entre estas sofisticadas idéias filosóficas e cosmológicas e os conceitos heréticos que, todavia, aprovavam as figuras bíblicas. (Devemos frisar que as crenças heterodoxas de Leonardo e do seu círculo não resultavam apenas da reação a uma Igreja dogmática, corrupta e crédula. Como a história mostrou, existia, de fato, uma forte, e certamente não disfarçada, reação à Igreja de Roma – o movimento Protestante. Mas, se Leonardo vivesse hoje, também não o encontraríamos a participar no culto religioso daquele gênero de Igreja protestante.)
Contudo, há muitas provas de que os herméticos também podiam ser completos heréticos. Giordano Bruno (1548-1600), o fanático pregador do Hermetismo, declarou que as suas crenças provinham de uma antiga religião egípcia que precedera o catolicismo romano – e que o eclipsava em importância.
Parte deste florescente mundo oculto – mas ainda demasiado receoso da desaprovação da Igreja para ser algo mais do que um movimento secreto – eram os alquimistas. É um outro grupo que é vítima de um preconceito moderno. Atualmente, são ridicularizados como loucos, que passaram as suas vidas a tentar, em vão, transformar o vil metal em ouro; de fato, esta imagem era uma útil cortina de fumaça para os verdadeiros alquimistas que estavam mais interessados na experiência científica correta – mas também na transformação pessoal e no implícito controle total do seu próprio destino.
E não é difícil compreender que alguém tão ávido de conhecimento como Leonardo fizesse parte desse movimento, talvez fosse mesmo seu inspirador. Embora não existam provas diretas do seu envolvimento, sabe-se que ele estava ligado a conhecidos ocultistas de todos os matizes, e a nossa investigação da sua mistificação do Sudário de Turim sugere fortemente que a imagem foi o resultado direto das suas experiências «alquímicas». (De fato, a fotografia foi, outrora, um dos grandes segredos alquímicos.
Em palavras simples: é muito improvável que Leonardo não estivesse familiarizado com qualquer sistema de conhecimento disponível na sua época, mas, ao mesmo tempo, também é igualmente improvável que ele confiasse ao papel qualquer prova desse fato. Mas, como vimos, os símbolos e as imagens que repetidamente usava nas suas chamadas pinturas católicas dificilmente eram os que teriam sido aprovados pelas autoridades da Igreja, se elas tivessem compreendido a sua verdadeira natureza.
Mesmo assim, um fascínio pelo hermetismo podia parecer, pelo menos superficialmente, encontrar-se quase na extremidade oposta da escala, relativamente a João Baptista – e ao reputado significado da mulher «M». De fato, foi esta discrepância que nos intrigou a tal ponto que continuamos a investigar. É claro que se podia alegar que o significado deste interminável levantar de dedos indicadores significava que um gênio da Renascença estava obcecado com João Batista. Mas era possível que um significado mais profundo estivesse por detrás da crença pessoal de Leonardo? A mensagem que se podia deduzir das suas pinturas era, de fato, verdadeira?
Certamente que o Mestre há muito fora reconhecido nos círculos ocultistas como sendo possuidor de conhecimento secreto. Quando começamos a investigar o seu papel no Sudário de Turim, verificamos que constava entre os ocultistas que, realmente, ele não só participara na sua criação como era também um conhecido mago de algum renome. Existe mesmo um cartaz parisiense que anuncia o Salão da Rosacruz – um lugar de encontro de ocultistas com tendências artísticas – que descreve Leonardo como Guardião do Santo Graal (o que, nestes círculos, pode ser tomado como símbolo de Guardião dos Mistérios). Novamente, boatos e liberdade artística, em si, não têm grande significado, mas, associados a todas as indicações já enumeradas, estimularam o nosso desejo de saber mais acerca do Leonardo desconhecido.
Até então, tínhamos isolado o elemento principal do que parecia ser a obsessão de Leonardo: João Batista. Apesar de ser natural que ele fosse encarregado de pintar ou esculpir o santo enquanto vivia em Florença – uma cidade dedicada a João -, é um fato que, quando entregue a si próprio, Leonardo preferiu fazê-lo. Afinal, a última pintura em que trabalhava antes da sua morte, em 1519 – que não fora encomendada mas pintada por razões pessoais -, era a de João Batista. Talvez ele quisesse que a imagem o contemplasse quando jazia moribundo. E, mesmo quando era pago para pintar uma cena católica ortodoxa, sempre, se o podia fazer, realçava o papel de Batista nessa cena.
Como vimos, as suas imagens de João são elaboradamente planejadas para transmitir uma mensagem, mesmo que esta seja imperfeita e subliminarmente captada. Certamente João é apresentado como importante – neste caso, ele era o precursor, o arauto e o familiar de Jesus, por isso, era natural que o seu papel fosse reconhecido deste modo. Mas Leonardo não nos está a dizer que Batista era, como qualquer outra pessoa, inferior a Jesus. Na sua Virgem dos Rochedos, o anjo está, indiscutivelmente, apontando para João, o qual está abençoando Jesus, e não vice-versa. Na Adoração dos Magos, as pessoas saudáveis e de aspecto normal estão a venerar os ramos da alfarrobeira – a árvore de João – e não a descorada Virgem e o menino.
E novamente o «gesto de João», o dedo indicador direito levantado, está apontado ao rosto de Jesus, na A Última Ceia, no que não é, manifestamente, um gesto afetuoso ou de apoio; no mínimo, parece estar dizendo, de modo rudemente ameaçador: «Lembra-te de João.» E a menos conhecida das obras de Leonardo, o Sudário de Turim, mostra o mesmo tipo de simbolismo, com a imagem de uma cabeça, aparentemente decapitada, sendo colocada «sobre» um corpo, classicamente crucificado. A esmagadora evidência é que, pelo menos para Leonardo, João Baptista era realmente superior a Jesus.
Thoth (Egito), Hermes Trismegistus (Grécia), Mercúrio (Roma), muda a cultura, o tempo e as eras, mas o conhecedor resiste contra a ignorância…
Tudo isto podia ter feito Leonardo parecer uma voz que clamava no deserto. Afinal, muitos gênios têm sido excêntricos, para dizer o mínimo. Talvez esta fosse uma outra área da sua vida em que ele se situou à margem das convenções da sua época, rejeitado e isolado. Mas também estávamos conscientes, logo no princípio da nossa investigação, no fim da década de 80, de que tinham surgido provas – embora de natureza muito polêmica – em anos recentes que o ligavam a uma sinistra e poderosa sociedade secreta.
Este grupo, que alegadamente já existia muitos séculos antes de Leonardo, envolvia alguns dos mais poderosos indivíduos e famílias da história européia e – de acordo com algumas fontes – grupo que existiria ainda hoje. Não só, diz-se, os inspiradores desta organização eram membros da aristocracia como também algumas das atuais figuras da vida econômica e política a mantêm viva, com objetivos particulares. Se no princípio da nossa investigação, ingenuamente, tivéssemos pensado que íamos passar o tempo nas galerias de arte, a decodificar as pinturas da Renascença, dificilmente poderíamos estar mais longe da verdade. Postado em Novembro 2014.
Continua…
Permitida a reprodução desde que mencione as fontes e respeite a formatação original.
Nenhum comentário:
Postar um comentário