quarta-feira, 6 de novembro de 2013

MINHA ESCOLA... MINHA HISTÓRIA...

 
   O velho limoeiro encheu-se de parasitas... quantas vezes daqui, por dois longos anos, observei o mato em frente. O que haverá por trás dele? Nunca soube. São as brumas do desconhecido. Como os anos eram longos nesse tempo... O Natal custava uma eternidade para chegar... os dias eram enormes... as noites, sem luz elétrica e sem mídia,... os ventos nas noites de tempestade... o roncar das águas dos arroios nas grandes chuvas de inverno... tudo ficava isolado... nunguém podia ir a parte alguma... Depois, tudo serenava e voltava a ser como sempre... apenas silêncio... No ermo onde morávamos, nunca aparecia um carro... somente o padre... um velho capuchinho... umas duas vezes por ano vinha com seu velho gipe americano... eu achava bonito... um dia, bati-me dali e fiz-me frade... mas os matos, os riachos, os rochedos, o lajeado grande... esses ficaram na minha alma... o corujão mocho da figueira velha do tronco oco... a cascavel em que eu jogava pedras na fenda do rochedo alto... os lagartos cinzentos que fugiam de mim... esses habitam a minha alma para todo sempre... junto com os sabiás que poetavam ao entardeder com seus papos alaranjados por entre os ramos, com trinados intermináveis... e os bem-te-vis... os joões-de-barro, forneiras, a gente chamava,... os ninhos... os filhotes, no seu tempo... buscava lenha com mamãe pelo campo e pela beira do mato... galhos secos que a gente catava e trazia para fogo da noite e o café da manhã... todos os dias a mesma coisa... e era bonito... não havia rotina... o mesmo pão era tão gostoso... sem geladeira... sem lâmpada... só o velho lampeão à noite... o vidro embaçado de fumaça, tisnado, a gente dizia... a alma não... mamãe lia para agente... e se vivia feliz...
   Aqui começou minha carreira acadêmica... melhor, continuou... minha mãe fora professora e já me dera as primeiras lições... eu lia, fazia as operações matemáticas fundamentais... sabia muitas coisas de textos e poesia... já contava avançados sete anos... classificaram-me para o terceiro ano...
Ah os campos... a professora... Maria dos Reis... como ela sabia!... sabia tudo... acreditávamos plenamente em seu saber... como era linda... especialmente aos olhos dos pequeninos rurais... era a própria figura da bondade... Os primeiros prêmios acadêmicos... primeiro lugar... não sabia muito bem o que era isso... ganhei um livrinho... e um caderno de figuras para colorir... e lá me fui à casa com meu troféu... orgulho de mamãe...
   Para chegar ao colégio... chamava-se Professor Francisco Araújo... eram dois quilômetros e pico... sempre no topo de uma pequena cordilheira de colinas... os colonos nas casas do vale, cortando lenha para o café... a fumaça subindo poeticamente das chaminés... e os machados batendo no cepo do picador... quando o machado estava de novo no alto, no movimento para a nova batida é que eu ouvia o estampido do machado no cepo... o que seria aquilo... não ouvira ainda da teoria da relatividade... diferença da velocidade do som e da luz... Einstein não me fora apresentando ainda (como me assustaria depois ao ouvir u trovão muito depois do raio...) Os raios... então...no caminho da escola... os arames traziam os raios de longe... Depois havia o inverno... não se usava sapatos... eram tamancos de cepo... não se podia entrar com eles sujos... enfiava nos dedos da mão e cortava a geada branca dos caminhos com os pés descalços... chegava... passava bem os pés na grama úmida do orvalho da noite... entrava com o tamanquinho seco...
   Mas não era triste, não... nem tão duro assim... todo mundo fazia... ninguém achava ruim... Depois o recreio... os brinquedos... as corridas... os meninos levados... as meninas já sapecas da época... Mas onde estão hoje? o Sidinei morreu na semana passada... o Rudinei, já faz tempo... o Ivo, se foi... o Breno, ele tinha um irmão assassino, mas era bom, quieto... E a Beta? ... a Gisele... meu Deus... quanto tempo... sessenta anos... sei lá...
 
A chuva pondo um entrave à vista... como as minhas lembranças daqueles tempos... fotografia... metáfora da memória...

 
O velho casarão ao lado da escola. Aqui, as marcas do tempo estão mais visíveis. Na escola, a reforma as apagou... 


Ainda o velho casarão, como que resistindo à mudança, conserva tudo o que fora, meio engulido pelas árvores. 

 Foto: Minha primeira escola.

MINHA PRIMEIRA ESCOLA



Foto: Minha primeira escola.

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