STRIKE MOVEMENTS IN THE ANCIENT ROME - GREVES NA ANTIGA ROMA
GREVES NA ANTIGA ROMA
Strike Movements in the Ancient Rome
Prof. Dr.
Oscar Luiz Brisolara
* Este artigo foi publicado originalmente na REVISTA DA UCPEL - Universidade Católica de Pelotas, em 02 de dezembro de 1993 - EDUCAT - ISSN 0103-8788
RESUMO: Já na antiga Roma, os movimentos paredistas
foram empregados como forma de pressão das massas trabalhadoras sobre a classe
patronal, para obter vantagens nas relações de trabalho. Em 494 a. C., a plebe
romana aglomera-se no monte Sacro, decidida a não lutar – nem retornar ao trabalho
sem que lhe fossem atendidas às suas reivindicações de participação no poder e
de distribuição inicial das funções na administração pública, através de
tributos da plebe, bem como viu atendido ao seu pedido de redução da dívida
agrária. Em 454 a. C., a plebe reivindica um código escrito. Após muitas
manobras e lutas, surgiu a Lei das Doze Tábuas. Sua conquista maior foi o
direito de participação do cargo de máximo poder da República: o consulado. As
elites, porém, desforraram-se de tantas derrotas, por um lado, remetendo
colonos para o solo conquistado, amainando, assim, o anseio interno pela posse
da terra; por outro, corrompendo, pelo dinheiro e pelo luxo, muitos dos
escolhidos dentre a plebe para os cargos públicos.
Palavras-chave: greve, movimentos paredistas, classes
sociais, Roma antiga.
ABSTRACT: As
to getting advantages in the work relationship, the strike movements in the
ancient Rome were a form of pressure the working-class people had over the
employer class. As a result of such demands, after struggles and maneuvers, the
Law of the Twelve Tables came into effect. But the greatest conquest was the
share of power in the Republic: the consulate. The ruling elite, however, took
revenge both sending people to new conquered places, diminishing the claim for
the occupancy of land, and corrupting through money and luxury, many of the elected
amongst the mob for the public office.
Kay words: strike, roman strike movements, social
classes, roman social classes.
MOVIMENTOS PAREDISTAS NA ANTIGA ROMA
Este artigo visa a abordar a história do paredismo (greves) na República Romana, nos séculos que precederam a era cristã. Sua abordagem, hoje, justifica-se uma vez que, quando nos referimos a paredismo como forma de pressão das massas trabalhadoras, para diminuir a opressão da classe patronal sobre o operariado, ou para obter vantagens nas relações de trabalho, de modo geral, aludimos aos movimentos e greves bastante recentes, mormente os que se iniciam com europeus e norte-americanos da primeira metade do século XX.
Acontece, porém, que já na incipiente República Romana, essa forma de atuação reivindicatória era empregada, logicamente que diferenciada da atual, porque condicionada pela especificidade dos meios e modos de produção dessa época e pelas suas relações características de trabalho.
Para a melhor compreensão dos fatos, faz-se necessária uma abordagem inicial da estrutura social e da divisão do trabalho e, mais especificamente, da constituição das classes sociais em Roma, nesse período, que vai do século VI a. C. à segunda metade do século I a. C.
Sem nos atermos às origens e causas da criação do sistema republicano em Roma, nos últimos séculos que precederam o surgimento do cristianismo, abordaremos, mesmo que sucintamente, o processo sucessório na monarquia que antecede a República Romana primitiva.
Como a sucessão geralmente não se dava por hereditariedade, embora pudesse ser feita dessa forma, sendo, porém, fundamental a confirmação por parte do Senado Romano, no século VII a. C., chegaram ao poder supremo reis de origem estrangeira, mais precisamente de origem etrusca.
Eutrópio, em sua História Romana, afirma, por ocasião da sucessão de Rômulo: “O Império Romano tem sua origem em Rômulo, que, filho de uma virgem vestal e Marte, foi gerado num só parto com seu irmão Remo. Ele, como militasse entre pastores, com dezoito anos, fundou uma pequena cidade no monte Palatino. Fundada a cidade, que chamou Roma, de seu nome, fez mais ou menos isto: recebeu na cidade uma multidão de vizinhos; elegeu cem dentre os mais velhos aos quais chamou Senadores[1] por causa da sua velhice, com o conselho dos quais fizesse todas as coisas [...] e como se levantasse uma tempestade subitamente e ele não fosse mais encontrado, acreditou-se ter passado aos deuses, no trigésimo sétimo ano de seu reinado, tendo em seguida sido deificado. Depois, os senadores governaram Roma por cinco dias cada um e, reinando estes, completou-se um ano. Depois foi nomeado rei Numa Pompílio, que não fez nenhuma guerra em verdade, mas foi útil à cidade não menos do que Rômulo, pois constituiu tanto leis como costumes para os Romanos, que, pelo hábito das guerras, já eram considerados ladrões e semibárbaros.”(1)
Pela citação acima, percebe-se a forma de sucessão empregada nessa monarquia, pois Numa Pompílio não era descendente de Rômulo, tendo sido constituído rei por decisão do Senado.
Na seguinte citação do historiador Estrabão, pode-se perceber outra forma de escolha do soberano: “Demarato, um rico mercador banido de Corinto, veio residir em Tarquinii e lá se casou com uma mulher etrusca. Seu filho, Lúcio Tarquínio, emigrou para Roma, onde galgou alto posto e, por ocasião da morte de Anco, apossou-se do trono, ou mais provavelmente, foi escolhido por um conselho de famílias etruscas da cidade”. (2)
De acordo com Tito Lívio, em sua Res Romanae ab Urbe Condita (Coisas Romanas desde a Fundação da Cidade): “Foi ele o primeiro a solicitar a coroa e a fazer um discurso tendente a assegurar o apoio da plebe.” (3)
A plebe era constituída de cidadãos que não podiam ligar seu nome aos fundadores da Cidade, os patrícios (patres patriae), pais da pátria.
Nesse momento histórico, o poder passa às mãos dos comerciantes e financistas em detrimento da antiga oligarquia rural dos patrícios. Ainda segundo Tito Lívio: “Tarquínio legou o poder a seu genro Sérvio Túlio, independentemente da escolha do povo, isto é, das famílias principais. Este, dando continuidade às reformas do sogro, dividiu o povo em 35 novas tribos, com base no local de residência, em vez de na posição social, enfraquecendo, dessa forma, o poder eleitoral da aristocracia, a classe que se tinha como suprema por direito de nascimento.” (4)
Percebe-se aí a participação das classes populares na transição do poder, bem como evidenciam-se as manobras políticas eleitoreiras e garantidoras da perpetuação de grupos de interesses comuns no comando do país.
Os etruscos assumiram o poder por volta de 655 a. C. e, além das reformas políticas acima mencionadas, promoveram outras, como afirma Eutrópio: “... este (Tarquínio Prisco) duplicou o número de senadores e edificou o Circo de Roma...” (5).
Como as reformas introduzidas pela oligarquia do comércio e das finanças não permitissem à velha oligarquia rural voltar ao poder pelas vias normais, resolveu esta mudar o sistema de governo. Dessa forma, criou a República, cuja origem, na história romana, está tão envolta em mitos, quanto o surgimento da monarquia que a precedeu. Em ambos os casos, a fronteira entre o mito e a história é tão tênue, que se torna quase impossível delimitar onde termina o mito e começa a história.
É ainda Tito Lívio que nos narra: “... certa manhã, no campo real em Ardélia, seu filho Sexto Tarquínio (Tarquínio Soberbo) entrou em debate com um seu parente, Lúcio Tarquínio Colatino, sobre as virtudes das respectivas esposas. Propôs Colatino que voltassem a cavalo para Roma e as surpreendessem à noite. Encontraram a mulher de Sexto em festa com seus íntimos, mas Lucrécia, mulher de Colatino, fiava na roca vestes para seu esposo. Sexto inflamou-se de desejo de pôr em prova a fidelidade de Lucrécia e gozar-lhe o amor. Poucos dias mais tarde, volta secretamente à casa de Lucrécia e violenta-a. Lucrécia chama o pai e o marido, conta-lhes o ocorrido e depois apunhala-se. Em consequência desses fatos, Lúcio Júnio Bruto, amigo de Colatino, convida todos os homens sérios de Roma para expulsar Tarquínio.”(6).
Esse fato teria feito com que a Assembleia do Povo decidisse mudar o sistema de governo, colocando, em lugar de um rei, dois cônsules.
Parece que essa história, embora repetida por outros historiadores como Eutrópio, verdadeira ou não, serviu aos interesses dos patrícios, que de há muito estavam desejosos de retomar o poder.
O fato é que Lúcio Júnio, cognominado depois Brutus, isto é, idiota ou louco, liderou, em 509 a. C., um movimento, e com auxílio popular, depôs o rei. Reinava, então, Tarquínio Soberbo (Sexto Tarquínio). Desse momento em diante, criou-se a República, isto é, “res”, coisa, e pública. Nesse sistema de governo, o poder era dividido por dois governantes, denominados cônsules, com poderes iguais, cujo mandato era tão somente de um ano.
Sobre tal sistema, afirma Eutrópio: “... desde então começaram a ser criados dois cônsules em lugar de um rei por este motivo, que, se um quisesse ser mau, o outro, tendo poder igual, o reprimisse. E aprouve que não tivessem o governo mais do que um ano, a fim de que, pela duração do poder, não se tornassem prepotentes, mas fossem sempre delicados, eles que sabiam que após um ano haviam de ser simples cidadãos...” (7).
Para que se possa entender o significado e a origem da palavra Brutus, faz-se necessária uma explanação: ocorre que Lúcio Júnio, tendo atentado contra o rei, incorrera em crime de lesa majestade, que deveria ser punido com morte. Para evitar essa consequência indesejada, ele foi, numa manobra jurídica, declarado “Brutus”, como já se disse, em latim significava idiota, louco, condição em que o tribunal o eximiria de culpa, tornando-o inimputável.
Como os romanos usavam três nomes: o prenomen, que correspondia ao nosso nome; o nomen, que era o nome da família, “gens” para os latinos, correspondente aos nossos sobrenomes; e o cognomen, que correspondia aos nossos apelidos, passou-se, Lúcius a chamar-se Lúcius Június Brutus. Esse cognome perde, em se tratando de nomes, a carga semântica de um modificador desrealizante e assume a posição de modificador nominal realizante com traços de heroísmo, sendo, desde então, largamente empregado em Roma. O filho adotivo de Júlio César chamava-se Brutus e se considerava descendente do herói republicano.
Ainda segundo Eutrópio: “Foram, portanto, cônsules, no primeiro ano depois de expulsos os reis, Lúcio Júnio Bruto, que agira sobremaneira para que Tarquínio fosse expulso, e Tarquínio Colatino, esposo de Lucrécia, mas em seguida foi tirada a dignidade de Tarquínio Colatino: pois tinha-se decidido que não ficasse na cidade ninguém que se chamasse Tarquínio... para seu lugar foi escolhido Valério Publícola.” (8).
Cabe aqui salientar que os romanos não foram o primeiro povo na história a tentar um regime republicano; já os gregos os haviam precedido nessa modalidade de governo.
O processo participativo, nos primeiros tempos, no sistema eleitoral, era reduzidíssimo: somente os patrícios, nos primórdios da República, podiam eleger e ser eleitos.
É ainda Tito Lívio que nos explica quem eram os patrícios: “... Rômulo escolheu de sua tribo cem cabeças de clã para ajudá-lo a estabelecer Roma e funcionar como seu conselho ou senado. Esses homens foram chamados mais tarde “patres” ou pais e seus descendentes “patricii”, derivados dos patres.” (9).
Aulo Gélio, em suas Noites Áticas, afirma: “... não eram homens de fausto, como iriam ser seus descendentes; com frequência pegavam no rabo da charrua ou no machado; viviam de maneira simples; teciam em casa suas roupas. Os plebeus admiravam-nos, mesmo quando os tinham contra si, e a tudo o que pertencia aos patrícios aplicava-se o termo “classicus” – clássico, isto é, da alta classe.” (10).
Equivalentes aos patrícios em riqueza, mas muito abaixo em poder político, estavam os “equites”, ou homens de negócio. Com o passar dos anos, os patrícios passaram a dividir com eles o poder, concedendo-lhes o direito de eleger e ser eleitos. Temos muitos casos de cônsules de origem equestre como o do famoso orador, filósofo e administrador Marco Túlio Cícero.
Daí em diante, muitos “equites” ou cavaleiros, isto é, que tinham dinheiro bastante para armar e manter cavalos para a guerra, passaram a entrar para o Senado e formavam a segunda parte dos “patres et conscripti”, isto é, patrícios e homens conscritos. Essas duas classes constituíam as “ordens”, e seus membros qualificavam-se de “boni”, os bons.
Como “virtus” para os romanos significava virilidade, as qualidades que fazem um homem, a virtude romana apontava nessa direção. Como afirma Nietzsche em a Genealogia da Moral, falando sobre o sentido de bom, o “bonus miles" (bom soldado) seria para nós o pior dos homens, capaz de matar friamente e sem dó, mesmo um inocente.
O termo latino que origina esses vocábulos é “vir”, que significa homem, masculino, macho, em oposição ao Άνθρωπος (anthropos) grego, que pode ser traduzido por humano.
Os homens “virtuosos”, nesse sentido, eram os pertencentes a essas “ordens”. Por isso, quando se empregava o termo “populus”, o povo, entendia-se apenas essas classes superiores; e, originariamente, era nesse sentido que se explicavam as famosas iniciais que ainda hoje se multiplicam por ruas e monumentos romanos – SPQR (Senatus Populusque Romanus) –, ou seja, o Senado e o Povo Romano, que orgulhosamente ostentavam em lugares públicos, na bandeira dos exércitos e nos territórios conquistados.
Como esses dois grupos sociais tivessem grandes privilégios e regalias oriundos do exercício do poder, os demais cidadãos, a plebe, mesmo em se tratando de homens livres, em oposição aos escravos, viviam em condições muito precárias, não participando dos benefícios das conquistas e do progresso da República, a não ser de pálida maneira, em que lhes tocavam as migalhas, como o “pão e circo”. Caso prático eram os triunfos, festas populares em homenagem aos generais vencedores, em que era oferecida ao público, na rua, abundância de comida e bebida e algumas moedas de ouro, resultado dos saques e pilhagens.
Poucas eram as oportunidades de trabalho regular. Restringiam-se às funções agrícolas, que enfrentavam a grande concorrência dos escravos e dos produtos oriundos das províncias conquistadas, a uma pequena rede de indústrias, ainda em fase fortemente artesanal, e aos serviços domésticos nas mansões dos ricos. Restava, a uma grande parte da massa popular, sem emprego algum, a situação humilhante de tornar-se cliente dos poderosos.
Ser cliente significava dirigir-se, todas as manhãs, por volta de nove horas, à casa de seu senhor ou amo, que ora lhe fornecia alimentos, ora uma refeição em sua própria casa, num salão destinado a esse fim, ora uma quantia em dinheiro, para que fosse prover, nos armazéns e tavernas da cidade, seu próprio alimento.
Nessa situação de contínua dependência e miséria, os plebeus clamavam pela redução de suas dívidas para com banqueiros e agiotas, pois, pela legislação romana, era comum um cidadão vir a tornar-se escravo por dívidas. Porém, a maior parte dessas dívidas se constituía na classe dos agricultores, que tomavam empréstimos para fazer frente aos custeios e manutenção da família, no período do plantio. Essas dívidas podiam ser contraídas com banqueiros privados ou com o próprio Estado, que financiava, através dos bancos públicos, a produção agrícola.
Os deserdados da sorte também clamavam pela distribuição de terras públicas, resultantes das conquistas militares, pois, no mais das vezes, grandes áreas produtivas acabavam nas mãos dos senadores, generais ou ricos cavaleiros, formando-se nas mãos desses indivíduos inescrupulosos imensos latifúndios. Isso obrigava os pobres a plantarem as terras desses magnatas na forma de escorchantes parcerias em que lhes restavam as respigas.
Outra exigência comum da plebe era a possibilidade de se eleger para os cargos da magistratura e do sacerdócio. Também reclamavam o acesso às ordens pelo casamento, que era proibido entre as classes altas e a plebe.
Primeira greve em Roma
O Senado procurou frustrar a agitação popular com o fomento de sucessivas guerras, mas abalou-se ao ver desatendido o seu apelo às armas. Em 494 a. C., grandes massas de plebeus aglomeraram-se no monte Sacro (Sagrado), junto ao rio Ânio, a três milhas de Roma, e declararam que não mais lutariam, nem voltariam ao trabalho, antes que suas exigências fossem atendidas.
O Senado lançou mão de todos os recursos diplomáticos e religiosos para atrair os rebeldes sem, no entanto, obter resultado prático nenhum. Receando uma generalização do movimento, concordou em reduzir as dívidas, em admitir dois tribunos e três edis como defensores eleitos da plebe.
Os paredistas voltaram às suas funções depois de um juramento: matarem qualquer um que levantasse a mão contra os representantes da plebe no governo. Para tanto, criou-se um corpo de litores, que acompanhavam cada um deles, uma espécie de guarda-costas, armada de machadinha e um feixe de varas, pois não eram raros os assassinatos políticos na velha Roma.
Isso foi a deflagração da guerra das classes que aumentou gradativamente durante todo o período republicano, tendo muitos desdobramentos e fazendo inúmeras vítimas. Em 486 a. C., o cônsul Espúrio Cássio propôs o loteamento, entre os pobres, de parte das terras conquistadas; os patrícios acusaram-no de procurar o apoio popular com o fito de fazer-se rei – e assassinaram-no.
O passo imediato, na ascensão da plebe, deu-se com a exigência de leis escritas. Até então, haviam sido os sacerdotes os guardiões e intérpretes das leis. Ora, não se pode aqui esquecer que era vedado à plebe o acesso ao sacerdócio.
Esses sacerdotes, espécies de confrarias, muito fechadas, conservavam, em segredo e monopólio, os registros e as exigências rituais da lei, para usá-los como armas, contra qualquer mudança social.
Depois de longa resistência a esses desejos da plebe, o Senado, em 454 a. C. enviou à Grécia uma comissão de três patrícios, a fim de estudar a legislação de Sólon e outros códigos existentes naquela região. Retornada a comissão, a Assembleia, em 451 a. C., escolheu dez homens – decemviri – para formular um novo código, e deu-lhes, por três anos, o governo supremo de Roma.
Essa comissão era presidia pelo reacionário Ápio Cláudio, que transformou as velhas leis consuetudinárias de Roma, na famosa “Lex Duodecim Tabularum” (Lei das Doze Tábuas). Depois submeteu-as à Assembleia, que as aprovou com algumas emendas, gravou-as a fogo em doze tábuas, fixou-as no fórum, para que todos as conhecessem.
Foi a Assembleia Constituinte Romana, que estabeleceu a seu povo, sua primeira constituição. Apesar de grandemente conservadora e cruel, o povo tinha agora uma legislação clara e conhecida de todos, à qual poderia invocar em caso de injustiças.
Porém, terminado o período estabelecido para o mandato da comissão, seus integrantes recusaram-se a entregar o governo aos cônsules e tribunos, continuando a exercer a autoridade suprema, com a maior irresponsabilidade.
Agravou-se a situação quando Ápio Cláudio tomou-se de paixão por uma plebeia de nome Virgínia e, para possuí-la, declarou-a escrava, considerando que era vedado por lei o casamento entre classes. Porém, na condição de escrava, podia tomá-la por concubina.
O pai da moça, Lúcio Virgínio, protestou; e quando Cláudio negou-se a ouvi-lo, matou a filha, correu à sua legião e sublevou-a, para a derrubada do novo déspota. Nesse momento, os plebeus fazem novo movimento paredista em solidariedade a Lúcio, retirando-se novamente para o monte Sacro. Havia, inclusive, a possibilidade de revolta armada.
Ao saber que o exército apoiava a plebe, o Senado depôs os decênviros, baniu Cláudio e reestabeleceu o consulado e as demais funções eletivas.
Quatro anos mais tarde, o tribuno Cláudio Canuleio propôs uma lei que dava direito aos plebeus de desposarem patrícios e serem eleitos ao consulado. O Senado cedeu ao primeiro pedido; quanto ao segundo, aumentou o número de tribunos da plebe para seis, que, em conjunto, teriam a autoridade de cônsules.
Em 376 a. C., os tribunos Licínio e Sexto propuseram uma lei que fazia com que os juros pagos fossem deduzidos do principal, pois as sucessivas guerras não permitiam que os agricultores plantassem, e os credores eram implacáveis, querendo receber juros e principal, de tal forma que a maioria dos agricultores encontrava-se em situação de insolvência.
Isso favorecia os ricos, que adquiriam deles as terras por preços aviltantes, aumentando, assim, os próprios latifúndios. Propuseram também uma norma proibindo que nenhum homem pudesse possuir mais de 500 iugera de terras (cerca de 121 hectares) ou empregar em suas terras número de escravos superior ao de homens livres; porém, sua proposta principal foi a exigência de que um dos cônsules fosse tirado da plebe.
Durante dez anos os patrícios resistiram a essas aspirações populares. Entrementes, o Senado fomentava guerra após guerra, de tal forma a conservar o povo tão ocupado que não pensasse nas terras e no poder.
Por fim, sob ameaça de terceira parede, o Senado aceitou as chamadas “leis licínias”, e Camilo, chefe dos conservadores, celebrou a reconciliação das classes, com a construção do majestoso Templo da Concórdia, no fórum.
Foi esse o maior passo dado no desenvolvimento das conquistas das classes populares na limitada democracia romana. Daí por diante, os plebeus progrediram com rapidez rumo a uma formal igualdade com as “ordens”, na política e nas leis. Em 356 a. C., um plebeu foi ditador por um ano.
Cabe aqui esclarecer que a ditadura estava prevista nas leis da República Romana, em momentos nos quais a pátria corresse riscos. Desaparecido o fato gerador da exceção, a ordem normal deveria ser reestabelecida. Em 351, o censurato; em 337, a pretoria; em 300, o sacerdócio, foram franqueados à plebe. E, finalmente, em 287, os senadores concordaram que as decisões da Assembleia Tribal também tivessem força de lei, mesmo que contrariassem decisões do Senado. E como nessa Assembleia os patrícios podiam ser facilmente batidos pelos votos dos plebeus, essa lei equivaleu ao triunfo da democracia em Roma.
Porém, engana-se redondamente quem acreditou que as elites conformadamente se acomodariam a tantas perdas acumuladas. O poder do Senado breve se desforrou de tantas derrotas. O pedido de terras foi amainado com a remessa de colonos para o solo conquistado. O custo da obtenção e manutenção dos cargos – que não eram remunerados – automaticamente afastava os pobres. Depois de assegurada a igualdade política e de oportunidades, os plebeus mais ricos passaram a cooperar com os patrícios porque disso lhes vinham contratos de obras públicas, ensejos de colonização e exploração das províncias e comissões na coleta de taxas. Cada cônsul, mesmo que escolhido entre os plebeus, subia vitaliciamente ao Senado, tornando-se, por contágio, um zeloso conservador.
Teoricamente, um dos dois cônsules tinha de ser um plebeu. Na prática, poucos plebeus eram escolhidos, porque a própria plebe dava preferência a homens de educação e traquejo para um posto que tinha tantas responsabilidades, tanto na paz como na guerra. Para contornar a lei que exigia a escolha de um plebeu para o consulado, formando dupla com um patrício, criou-se um adendo determinando que não necessariamente um cônsul deveria ser plebeu, mas escolhido pela plebe como candidato e adotado por uma família plebeia.
Desse processo, originaram-se dois partidos políticos: o PO (Partido dos Optimates), que buscava apoio nas elites, e o PP (Partido Popular), que tinha sua sustentação política na plebe. Assim, muitos patrícios foram eleitos pelo PP, fazendo-se adotar por famílias plebeias e escolhidos como candidatos desse partido. É o célebre caso de Júlio César que se elege cônsul em 59 a. C., pelo PP, sendo seu inimigo político Marco Calpúrnio Bíbulo, eleito pelo PO.
O vício político do populismo parece ter sua origem nesse processo em que um cidadão pertencente às classes privilegiadas busca apoio nas classes desvalidas e passa depois a governar com medidas populistas, a fim de se manter no poder. Em questões de política, parece terem os romanos esgotado todos os recursos no exercício, manobras e manipulação do poder.
Não raras eram as manobras eleitoreiras, usando-se para tal quaisquer meios, desde a pura e simples compra de votos até os apelos ao sentimento de religiosidade popular. Na véspera das eleições, o magistrado em função consultava as estrelas, com o pretenso intuito de saber a que candidatos elas favoreciam. Geralmente, a Assembleia submetia-se à fraude. Quanto aos tribunos da plebe, cabia-lhes proteger o povo contra o governo. Tinham o descomunal poder de veto a qualquer decisão do Senado. Com a simples palavra “veto”, isto é, eu proíbo, podiam deter todo o poderio da máquina oficial do Estado, sempre que lhes parecesse aconselhável. Como silente observador, o tribuno comparecia às reuniões do Senado, comunicava as decisões senatoriais ao povo e, com o veto, se o julgasse oportuno, tirava-lhes toda a força legal.
As portas da inviolável residência dos tribunos permaneciam abertas dia e noite a qualquer cidadão que a eles recorresse ou pedisse proteção; esse direito de asilo era equivalente ao habeas-corpus.
A aristocracia conservadora conseguiu ascendência sobre os tribunos por diversas manobras. Em primeiro lugar, persuadindo a Assembleia Tribal a eleger para o tribunato plebeus mais ricos, uma vez que o cargo não era remunerado. Em segundo lugar, elevando o número de tribunos para dez. Se um só desses dez se deixasse convencer ou subornar, sua decisão anularia a dos outros nove, pois cada um, individualmente, tinha o poder de veto, estabelecendo-se a confusão. Além disso, cumulavam-nos de bens, facilitando-lhes o enriquecimento, a participação nas benesses do poder, de tal modo que eles, quase sempre, tornando-se privilegiados, defendiam os interesses da elite, propondo apenas as medidas populares já aceitas pelo Senado.
Se todas essas medidas viessem a falhar, restava às elites o recurso à ditadura, sob a alegação de qualquer perigo à estabilidade nacional, e o ditador passava a acumular praticamente toda a autoridade sobre todas as pessoas e coisas.
Os movimentos populares em Roma, principalmente através dos movimentos paredistas ou de ameaças deles, geraram grandes conquistas ao povo romano, através de séculos. É certo, porém, que a astúcia das elites e o poder suasório do dinheiro e das riquezas, via de regra, reduziram sensivelmente os efeitos dessas conquistas e mantiveram os privilégios dos ricos, que, não raro, recorreram mesmo à força e aos assassinatos para manterem as vantagens conquistadas.
NOTAS
1) Eutropius, Breviarium ab Urbe Condita, I.
2) Estrabo. Historia, V.2.2.
3) Titus Livius, Res Romanae ab Urbe Condita, 1, 56, 7.
4) Idem, ibidem, 1, 46.
5) Eutropius, Breviarium ab Urbe Condita, VI.
6) Titus Livius, Res Roanae ab Urbe Condita, 1, 56, 7.
7) Eutropius, Breviarium ab Urbe Condita, IX.
8) Idem, ibidem, X.
9) Titus Livius, Res Romanae ab Urbe Condita, 1, 8.
10) Aulus Gelius, Noctes Atticae, vi, 13.
BIBLIOGRAFIA
AULUS GELIUS. Noctes Atticae, Paris : Editions Garnier Freres,1948.
ESTRABO. Historia. Paris : Les Belles Lettres, 1947.
EUTROPIUS. Breviarium ab Urbe Condita. Paris: Les Belles Lettres, 1946.
TITUS LIVIUS. Res Romanae ab Urbe Condita. Paris : Les Belles Lettres, 1953.
[1] A palavra senex, em Latim, significa velho; senador, portanto, significa mais velho.