domingo, 28 de junho de 2015

A MORTE DE TOLSTOY, UM PESADELO NA ÚLTIMA ESTAÇÃO?

Lev Nikolayevich Tolstoy
Não, não conheço a Rússia, jamais entrei em seu território. Lamento isso. Mas está seguramente em meus planos. Talvez seja minha próxima viagem para fora do país. Porém, conheço detalhadamente Astapovo. Sua estaçãozinha de velhos trens... até mesmo a modestíssima residência do encarregado da via férrea... o pobre Orozin.
Naquele 28 de outubro de 1910, eu estava lá. Solicitei-lhe que se contivesse um pouco. Seus 82 anos exigiam moderação. Mas ele não me ouviu. O povo precisava dele. Tinha a obrigação de deixar um gesto que apontasse em direção contrária ao muito que dissera em anos anteriores. Recuperara a crença na transformação do país...
Mas mestre, essa fumaça está afetando seus pulmões. Ele viajava num vagão de terceira classe, muito próximo da locomotiva que queimava carvão. As pás jogando o combustível na caldeira. O inverno que se intensificava. No entanto, nada o demoveu. A neblina condensava ainda mais a fumaça e a fuligem da combustão...
A custo, convencemo-lo a descer naquela estaçãozinha para tomar ares. Astapovo. O médico aplicou morfina e cânfora. Tudo o que temia acaba de ocorrer. Novamente a família. A ganância sobre o rendimento de suas obras. Exigência de um testamento.
Jamais esqueci Astapovo. A misteriosa fuga noturna do grande escritor. Fugia de quê? Velho. Doente. Era Adão que fugia do paraíso. A maravilhosa mansão campestre de sua cidade natal Yasnaya Polyana.  Sasha, a filha mais jovem, o acompanhava. Teria o velho Lev  Nikolayevich Tolstoy ensandecido aos 82? O chefe da estação condoeu-se. Levou-o para sua pobre casa. Cobertura de zinco.
Foi a primeira morte acompanhada ao vivo pelos jornais. O primeiro reality show da história. A esposa tomou um trem especial e encontrou o velho já inconsciente. Eram quase seis da manhã. Sete de novembro. A luz do raiar do dia já penetrava pelas paredes mal calafetadas.

Soafia, abandonada depois de tantos anos e tantos filhos, ambicionava os bens que o marido insistia e legar tudo ao povo russo, de acordo com suas concepções do final da vida. Conseguia apenas vislumbrar desesperada, através da vidraça, o vulto de rosto desfurado de Lev.
Voltou para o trem. Agora já devidamente embalado para a derradeira viagem. Uma multidão o aguardava na estação e o acompanhou até sua morada fatal. No bosque de Zaseka, junto a um pequeno penhasco, estava a casa onde escolhera residir para todo sempre. Finalmente, em 1947, mudei-me para estas paragens do sul do Brasil. Menos frio.


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