Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Essa é uma expressão latina que significa simplesmente Corpo de Cristo (um nominativo e um genitivo latino). Porém, por trás dessa expressão há uma disputa histórico-religiosa. Por mais de um milênio houve uma discussão que, de certa forma, se mantém até hoje. Trata-se do seguinte: há quem afirme, como a doutrina da Igreja Católica, que na Eucaristia (hóstia) estão presentes o corpo e o sangue de Jesus Cristo (presente e vivo); há, porém, os que afirmem, como a maioria das correntes luteranas, por exemplo, que a hóstia representa, simboliza a presença de Jesus Cristo.
No século XIII, acirrou-se essa discussão. Para ressaltar o posicionamento da Igreja Católica, o Papa Urbano IV, instigado por muitos religiosos, mais precisamente em 1264, instituiu a festa de Corpus Christi. Seria um dia específico para celebrar a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Essa tradição permanece até hoje.
Esse papa encomendou ao grande teólogo de então, Tomás de Aquino, a composição de um hino religioso para comemorar o marco religioso. Tomás escreveu um poema muito lindo intitulado "Lauda Sion" (Louva Sião). Sião era o nome de uma colina em Jerusalém, em que havia uma fortaleza conquistada por Davi, que reinou em Israel por volta de mil anos antes de Jesus Cristo.Este nome, Sião (não confundir com o antigo nome da Tailândia), passou a ser metáfora da cidade sagrada. (Vou adicionar esse hino ao presente artigo.). Diversos músicos de renome compuseram versões musicais do hino, como Rolandus Lassus, Ioannes Petriloysius Praenestinus e Felix Mendelssohn-Bartholdy.
Essa é a origem da festa popular da tradição católica. Fazem-se tapetes pelas ruas para a passagem do bispo ou padre com o ostensório contendo a Eucaristia (hóstia consagrada).
Pela bula (documento oficial da Igreja Católica) "Transiturus de hoc mundo", o papa Urbano IV instituiu a festa de Corpus Christi, como uma das festas móveis da Igreja Católica. As festas móveis são baseadas no antigo calendário lunar judaico, de tal forma que permaneçam sempre no mesmo dia da semana, embora flutuem nos dias e meses do calendário civil. Assim, estabeleceram-se a quarta-feira de cinzas, a Semana Santa, o domingo de Pentecostes, ou seja, a vinda do Espírito Santo. Pentecostes (Πεντηκοστή, em grego antigo, significa "quinquagésimo", portanto, acontece no quinquagésimo dia depois da Páscoa.
Cinquenta dias depois da Páscoa ocorre, então, o domingo de Pentecostes. O domingo seguinte a essa celebração comemora a Santíssima Trindade: Pai Filho e Espírito Santo. Na quinta-feira imediatamente seguinte à festa da Trindade, ocorre a festa de Corpus Christi. (por ser móvel no ano, é sempre fixa na semana, numa quinta-feira).
No entanto somente no século XVI, com o Concílio de Trento (1545-1563), momento que que se radicalizaram as diferenças entre o Igreja Católica Romana e o Luteranismo, é que foi definido o dogma da Eucaristia. O dogma é um documento da hierarquia da Igreja Católica Romana que obriga os católicos a crerem naquela proposição, considerada verdade indiscutível.
Segue abaixo o hino Lauda Sion, composição de Tomás de Aquino, no original latino e a corresponde te tradução portuguesa. Também, publiquei à parte a versão do Lauda Sion, cantada por um coral polifônico, em latim.
Santo Tomás de Aquino
Lauda, Sion, Salvatorem, Lauda ducem et pastorem In hymnis et canticis.
Quantum potes, tantum aude, Quia maior omni laude, Nec laudare sufficis.
Laudis thema specialis, Panis vivus et vitalis Hodie proponitur.
Quem in sacrae mensa coenae Turbae fratrum duodenae Datum non ambigitur.
Sit laus plena, sit sonora ; Sit iucunda, sit decora Mentis iubilatio.
Dies enim solemnis agitur In qua mensae prima recolitur Huius institutio.
In hac mensa novi Regis, Novum pascha novae legis Phase vetus terminat.
Vetustatem novitas, Umbram fugat veritas, Noctem lux eliminat.
Quod in coena Christus gessit Faciendum hoc expressit In sui memoriam.
Docti sacris institutis, Panem, vinum in salutis Consecramus hostiam.
Dogma datur christianis Quod in carnem transit panis Et vinum in sanguinem.
Quod non capis, quod non vides Animosa firmat fides Praeter rerum ordinem.
Sub diversis speciebus, Signis tantum et non rebus, Latent res eximiae.
Caro cibus, sanguis potus, Manet tamen Christus totus Sub utraque specie.
A sumente non concisus, Non confractus, non divisus, Integer accipitur.
Sumit unus, sumunt mille, Quantum isti tantum ille, Nec sumptus consumitur.
Sumunt boni, sumunt mali, Sorte tamen inaequali Vitae vel interitus.
Mors est malis, vita bonis : Vide paris sumptionis Quam sit dispar exitus.
Fracto demum Sacramento, Ne vacilles, sed memento Tantum esse sub fragmento Quantum toto tegitur.
Nulla rei fit scissura, Signi tantum fit fractura Qua nec status nec statura Signati minuitur.
Ecce panis angelorum Factus cibus viatorum, Vere panis filiorum Non mittendus canibus.
In figuris praesignatur, Cum Isaac immolatur, Agnus paschae deputatur, Datur manna patribus.
Bone Pastor, panis vere, Jesu nostri miserere, Tu nos pasce, nos tuere, Tu nos bona fac videre In terra viventium.
Tu qui cuncta scis et vales Qui nos pascis hic mortales, Tuos ibi commensales, Coheredes et sodales Fac sanctorum civium.
Amen. Aleluia.
Tradução portuguesa
Sião, exulta de alegria, louva teu pastor e guia com teus hinos, tua voz!
Tanto possas, tanto ouses, em louvá-lo não repouses: sempre excede o teu louvor!
Hoje a Igreja te convida: ao pão vivo que dá vida vem com ela celebrar!
Este Pão, que o mundo creia! por Jesus, na Santa Ceia, foi entregue aos que escolheu.
Nosso júbilo cantemos, nosso amor manifestemos, pois transborda o coração!
Quão solene a festa, o dia, que da santa Eucaristia nos recorda a instituição!
Novo Rei e nova mesa, nova Páscoa e realeza, foi-se a Páscoa dos judeus.
Era sombra o antigo povo, o que é velho cede ao novo: foge a noite, chega a luz.
O que o Cristo fez na ceia, manda à Igreja que o rodeia repeti-lo até voltar.
Seu preceito conhecemos: pão e vinho consagremos para nossa salvação.
Deve-o crer todo cristão: faz-se carne o pão de trigo, faz-se sangue o vinho amigo.
Se não vês nem compreendes, gosto e vista tu transcendes, elevado pela fé.
Pão e vinho, eis o que vemos; mas ao Cristo é que nós temos em tão ínfimos sinais.
Alimento verdadeiro, permanece o Cristo inteiro quer no vinho, quer no pão.
É por todos recebido, não em parte ou dividido, pois inteiro é que se da!
Um ou mil comungam dele, tanto este quanto aquele: multiplica-se o Senhor.
Eis a hóstia dividida… Quem hesita, quem duvida? Como é toda o autor da vida, a partícula também.
Jesus não é atingido: o sinal que é partido: mas não é diminuído, nem se muda o que contém.
Eis o pão que os anjos comem, transformado em pão do homem; só os filhos o consomem: não será lançado aos cães!
Em sinais prefigurado, por Abrão foi imolado, no cordeiro aos pais foi dado, no deserto foi maná…
Bom Pastor, pão de verdade, piedade, Jesus, piedade, conservai-nos na unidade, extingui nossa orfandade, transportai-nos para o Pai!
Aos mortais dando comida, dais também o pão da vida; que a família assim nutrida seja um dia reunida aos convivas lá do céu! Amém! Aleluia!
DECORAÇÕES DE RUA NAS PROCISSÕES DE CORPUS CHRISTI
LAUDA SION - HINO DO CORPUS CHRISTI
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