Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Sobre o Rio Danúbio, em Viena, Áustria |
Comecemos por refletir sobre o termo ocidental. Os romanos dos primórdios do cristianismo dividiram o mundo entre ocidente o oriente. Tomaram como traço divisório o Bósforo, canal que conduz as águas do Mar Negro ao Mar Mediterrâneo. O oriente seria o lado do sol nascente (do verbo latino orior, que significa nascer) e o ocidente (do verbo latino occido, cujo sentido é morrer, cair). Eles consideravam a Europa como ocidente e os países do lado do sol nascente, do levante como pertencentes ao oriente.
Platão, que nasceu no século V a. C., é um dos marcos importantes deste modo de pensar, considerado como ocidental. Quando o pensador ateniense surge, defronta-se com um conflito de concepções. Trata-se dos posicionamentos de Parmênides de Eleia e Heráclito de Éfeso.
Para Parmênides, a realidade é imutável e estática, porque fundada no Ser-Absoluto. A mudança é apenas aparência. O seu oposto, o Não-Ser, simplesmente não é. Heráclito, defende a tese contrária de que tudo está em permanente mudança. Seu princípio é "tudo flui" (πάντα ῥεῖ ),como um rio. Há , para ele, uma luta permanente entre dois contrários opostos que dependem sempre um da existência do outro, ou seja, o ser e o não-ser. O logos (λόγος) seria a razão que se estabelece entre o ser e o não-ser, que faz com que tudo seja e não seja a um só tempo, num eterno devir.
Esse conflito entre dois pensamentos igualmente fortes constitui-se no que se costuma chamar de aporia. Aporia, em grego (Ἀπορία), é um caminho sem saída, impasse. Platão, ao entrar para o mundo filosófico, está diante dessa grande aporia.
A saída encontrada por Platão para essa discórdia filosófica é a proposta do mundo das idéias. Fora do mundo das coisas tangíveis haveria um mundo das ideias puras e únicas. Desse modo, para cada realidade do mundo tangível haveria uma ideia imutável e pura. O mundo concreto é multiplo, enquanto que no mundo das ideias tudo é único. Os seres concretos são imitações imperfeitas da ideia pura em que se moldam. Assim, há uma ideia de bom e de belo da qual tudo o que é bom e belo se aproxima do bom e belo ideal, com maior ou menor perfeição. Do mesmo modo, há uma ideia pura de homem e de mulher da qual todos os homens e mulheres do universo são cópias imperfeitas.
O espírito humano, ao ser criado, teria entrado em contato com o mundo das ideias. Desse modo, tudo conhecera. Como resultado dessa passagem pelo mundo das ideias, todo o processo de aprendizagem consiste em puro recordar.
A solução da grande aporia entre a filosofia de Parmênides e a de Heráclito, segundo a proposta platônica, seria a seguinte: as essências do ser-absoluto e imutável de Parmênides, compor-se-iam pelo mundo das ideias de Platão. Por outro lado, toda a mudança estaria no mundo dos seres concretos de Platão. A ideia única é imutável, os seres concretos que nela se moldam são mutáveis e imperfeitos.
Já Aristóteles tem outra proposta para a superação da aporia entre Parmênides e Heráclito. Propõe para isso a teoria de ato e potência. De acordo com o pensamento de Aristóteles, tudo existe em potência ou em ato. Todo o ente em potência tende a ser outro em ato. Assim, a semente, em potência, contém a planta. O ato é a transformação da potência em ato, mudando a semente em planta. A superação da aporia se dá uma vez que as essências da proposta de Parmênides estariam contidas na potência de Aristóteles e a teoria do ato de Aristóteles daria conta da mudança e do eterno devir de Heráclito.
A proposta de Platão, em que a alma humana teria entrado em contato com o mundo das ideias antes de se encarnar em um corpo físico e desse contato essencial com as ideias viria toda a aprendizagem, fundamenta o inatismo do saber. Assim, o espírito humano já traz em si todo o saber. Daí se conclui que todo o saber é inato. Já pré-existe na alma antes do nascimento. A aprendizagem seria fruto do raciocínio, da introspecção. O saber, portanto, segundo Platão, é inato. Esteve sempre no espírito humano. A descoberta é fruto do raciocínio.
A crença de Aristóteles é totalmente oposta. A mente humana, segundo ele, no momento do nascimento, é completamente vazia como uma página em branco. Todo saber é fruto do contato da mente com o mundo. Da observação, portanto.
As regras e leis científicas são fruto de regularidades constatadas na observação e na experiência no contato com o mundo. A ciência se constrói, nesta perspectiva, por indução. A constatação de fenômenos que se repetem segundo uma regularidade permanente leva a conclusões que geram as leis filosóficas e científicas. Assim, observando a água, constata-se que a 100 graus celsius ela sempre entra em ebulição. Esta constatação leva à conclusão de que a água ferve a 100 graus. Todos os princípios gerais proviriam sempre desse processo indutivo, ou seja, de fora para dentro. Da observação do mundo exterior para o estabelecimento de regras gerais, assim se daria a formação do arcabouço dos saberes. A ciência cresceria entre a indução primeira e a dedução para prever novos fenômenos. Essa constatação científica serve como base para se construírem equipamentos científicos.
Esses dois princípios gerais, o platônico, que se fundamenta no saber inato, e o aristotélico, cujo princípio fundamental crê no processo segundo o qual o conhecimento passa do mundo exterior para a mente humana, têm orientado um grande número dos estudiosos até o presente. As teorias fundadas em Platão são denominadas de racionalistas e as fundadas em Aristóteles são empíricas, ou seja, fundadas na experiência, em grego 'empeiria' (ἐμπειρία). Esses pensadores gregos são ainda fundamentais para o saber contemporâneo.
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