sábado, 7 de setembro de 2019

MARIA MADALENA E O SANTO GRAAL - A MULHER DO VASO DE ALABASTRO (VII) O UNICÓRNIO E A DAMA


Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro (VII) – O Unicórnio e a Dama
Posted by Thoth3126 on 21/08/2019

O cristianismo institucional, que tem alimentado a civilização ocidental há mais de dois mil anos, pode ter sido construído sobre uma gigantesca falha em sua história: a Negação do feminino. Durante muitos anos convivi com uma vaga sensação de que algo estava radicalmente errado com o meu mundo. Sentia que, por um período longo demais, o feminino em nossa cultura vinha sendo desprezado e desvalorizado. Mas foi somente em 1985 que encontrei provas documentais de uma devastadora fratura na história cristã e nos ensinamentos da igreja de Roma. Em abril daquele ano, sabendo do meu grande interesse pelas Escrituras judaico-cristãs e pela origem do cristianismo, uma amiga me indicou o livro The Holy Blood and the Holy Grail”(O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
Livro “Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro”, de Margaret Starbird

CAPÍTULO VII – O Unicórnio e a Dama

Os temas do Casamento Sagrado e da Noiva Perdida na cultura ocidental nos levaram a explorar enigmas da arte medieval que podem ser esclarecidos pelos dogmas da heresia do Graal. Entre essas obras de arte estão as fabulosas tapeçarias com unicórnios, importantes relíquias da Idade Média. Já foi sugerido que a série de tapetes denominada La Dame à la Licorne (A dama com o unicórnio), em especial, ilustra uma doutrina inespecífica dos cátaros. Estou convencida de que foi a heresia albigense do Graal que inspirou o artista a desenhar essa sutil obra-prima – em homenagem à Noiva divina.
Segundo os estudiosos do assunto, o unicórnio era um animal mítico que já fora mencionado nos tempos clássicos pelos gregos Ctésias de Cnidos e Aristóteles e pelo historiador romano Plínio, entre outros. Não se tem absoluta certeza da origem desse mito, mas a pintura de um antílope de perfil em um mural da Idade do Bronze (2000-1500 a.C.) parece-se muito com o mítico unicórnio: o segundo chifre não fica visível atrás do primeiro. Essa é uma das possíveis fontes dessa lendária criatura, que se assemelha a um cavalo com um único chifre. O Physiologus (Fisiólogo), livro sobre animais estranhos escrito no século III d.C. em Alexandria, reuniu mitos de várias espécies.


O unicórnio foi mencionado como um animal que não podia ser capturado por caçadores, mas que era atraído para dormir no colo de uma virgem, única ocasião em que poderia ser preso. Essa obra foi amplamente traduzida por mais de mil anos, e suas lendas circularam por toda a cristandade. Os patriarcas da Igreja primitiva reconheceram o unicórnio como uma figura de Cristo, tradição que se estendeu até à Idade Média, quando eram atribuídos poderes especiais de cura a esse animal. O pó do chifre dessa criatura mítica fazia parte de qualquer estoque farmacêutico da época. Dizia-se ser possível purificar águas venenosas mergulhando nelas o chifre mágico.

Em algumas representações da arte medieval, esse animal aparece molhando o chifre em uma fonte. Outras obras o retratam com a cabeça no colo de uma donzela, que, em geral, aparece sentada em um jardim cercado ou em uma paisagem com flores ao fundo. O unicórnio é um dos símbolos mais comuns nas marcas-d’água albigenses, o que já é um importante motivo para se examinar exemplos desse tema na arte e nas lendas. Embora os apologistas medievais da ortodoxia tivessem lutado para dar um significado místico à lenda do unicórnio, as conotações do jardim e das imagens da besta de um só chifre no colo da donzela estão indiscutivelmente ligadas ao Cântico dos Cânticos.

Intérpretes ortodoxos tentaram igualar o jardim cercado à virgindade de Maria, a mãe de Jesus, mas não era isso o que estava escrito na referência bíblica ao “jardim cercado”, encontrada no Cântico: “Jardim cercado é minha irmã, minha noiva, sim, jardim cercado, fonte selada” (4:12) e “Entro no meu jardim, minha irmã, minha noiva” (5:1). O Cântico completo exalta as delícias dos sentidos-fragrâncias, gostos, visões e sons do jardim onde os noivos estão unidos. Sua cama é o gramado: “O nosso leito é viçoso” (1:15).

A Igreja, insistiu durante séculos que esse cântico dos amantes arquetípicos era uma alegoria mística, mas já observamos que suas imagens eróticas são similares à poesia ritual do Casamento Sagrado, o Hieros Gamos, do Oriente Próximo. Estou convencida de que a dama do jardim retratada nas tapeçarias do unicórnio é a Noiva-Irmã do Cântico dos Cânticos. Isso não impede uma interpretação mística dessa tapeçaria ou do Cântico, apenas a antecede e a enriquece.

La Dame à la Licorne

A tapeçaria La Dame à la Licorne, exposta no museu de Cluny, em Paris, exalta o feminino e as delícias dos sentidos. Nos seis painéis da peça, a moça aparece em um fundo vermelho coberto com minúsculas flores e animais de todos os tipos, inclusive coelhos, que, dada a sua reputação de grande fertilidade, eram dedicados à Deusa do Amor. Está vestida com brocados floridos e usa joias, enfeites e penteados do final do século XV. Ela segura um espelho, símbolo mais frequentemente associado a Vênus/Afrodite, no qual o unicórnio está refletido. Ladeando-a, em cada painel, vê-se um leão (símbolo da Força-Poder) e o próprio unicórnio, dois símbolos medievais de Cristo.


No primeiro painel da tapeçaria, o unicórnio levanta a saia da donzela, e seus cascos descansam, confortavelmente, no colo dela! O leão está segurando um estandarte que apresenta as cores da Deusa Tripla: vermelho, branco e azul-escuro. É uma bandeira vermelha com três luas crescentes sobre uma fita azul-escura. Como a lua crescente é um símbolo da “fertilidade”, o estandarte anuncia que a moça é a Noiva-Irmã esperando por seu Noivo no jardim. Até a bandeira da tapeçaria revela uma provocante associação com o Cântico dos Cânticos: “E o seu estandarte sobre mim era o amor” (2:4 – NVI).

No Cântico, a Noiva é convidada para um banquete dos sentidos, e aquele que segura o estandarte do amor é o seu Noivo. Alguns estudiosos sugeriram que essa tapeçaria pode ter sido desenhada como um presente de aniversário para uma noiva em particular, possivelmente uma filha da família La Vista, de Lyon, no Sul da França, cujo brasão heráldico exibia essas três luas crescentes. Ao contrário, acredito que essa família acabou ligada a esse timbre pelo fato de já possuir a maravilhosa tapeçaria com o estandarte. Uma fita idêntica com três luas crescentes aparece no brasão de armas de Lunéville, em Lorena.

A dama e o unicórnio: o sentido do paladar.

O simbolismo da tapeçaria fornece um maravilhoso buquê que inclui os cinco sentidos, exaltando cada um deles separadamente. O primeiro painel, no qual a donzela segura um espelho, ilustra a “Visão”. No segundo, denominado “Som”, ela está tocando órgão. No terceiro, chamado “Paladar”, ela aparece pegando doces de uma travessa. Em “Olfato”, o quarto painel da série, a moça molda uma coroa de cravos, enquanto sua criada segura um jarro com pervincas em flor.

John Williamson, um medievalista e estudioso das plantas, fez uma análise detalhada do simbolismo da flora nas tapeçarias do unicórnio expostas no Cloisters, uma extensão do Metropolitan, o famoso museu de artes de Nova York. De acordo com essa pesquisa, o cravo era um símbolo medieval do noivado, e a mirta, do casamento! No livro The Oak King, the Holly King and the Unicorn (O rei carvalho, o rei do azevinho e o unicórnio), Williamson observa que muitas árvores e plantas das tapeçarias do unicórnio eram utilizadas para tratar problemas de fertilidade (goiveiro, cravo-da-índia, margarida, violeta) ou eram consideradas afrodisíacas (pé-de-bezerro, pervinca e uma espécie peculiar de orquídea).

Esse fascinante estudo é baseado na história natural da Idade Média, com as lendas e a sabedoria que envolviam suas plantas. O livro de John Williamson refere-se claramente aos sete painéis das tapeçarias do unicórnio exibidos no Museu Metropolitan, mas flora e fauna similares são encontradas nas tapeçarias do Museu de Cluny. Acredita-se que os trabalhos de ambas as séries foram tecidos na mesma época, em tomo do final do século XV, provavelmente na área flamenga da cidade de Bruxelas, e que os desenhos foram feitos por um artista francês desconhecido. Em vários painéis dessas tapeçarias vemos o cravo (noivado), a violeta (luxúria), a rosa (amor) e a pervinca (casamento) com árvores de carvalho (princípio solar), azevinho (princípio lunar), laranja (união conjugal dos sexos), romã (fecundidade feminina) e pinho (fertilidade masculina).

A dama e o unicórnio: o sentido do tato.

Segundo algumas interpretações, esses painéis retratam um namoro medieval ou, talvez, o culto do amor fidalgo. É bastante claro que a progressão da série vai se tornando cada vez mais íntima. No quinto (acima) painel, o “Tato”, a moça acaricia o chifre do unicórnio. Ela mesma segura o estandarte, e o coelho brinca com uma minúscula flor vermelha em forma de X (da letra grega CHI, inicial de Cristo em grego). A mulher nesses painéis é a Domina dos trovadores, a Amada. Ela é também, obviamente, o protótipo da alma feminina sagrada da qual Cristo é o Noivo místico. O êxtase do casamento místico é prenunciado no mundo físico.

Assim, as tapeçarias podem ter tido o objetivo de refletir as duas realidades: a transcendental e a terrena. O sexto painel mostra uma tenda azul-escura, mantida aberta pelo leão e pelo unicórnio, que carregam os estandartes da Noiva-Irmã. A moça tirou o colar e o está entregando à criada. Essa joia também é mencionada nos Cânticos: “Enlevaste-me o coração com um dos teus olhares, com um dos colares do teu pescoço” (Cântico dos Cânticos 4:9). Acima da tenda, que representa o santuário, aparecem as palavras A mon seul desir (Para o meu próprio desejo). A tenda é a câmara nupcial do Casamento Sagrado, entre o masculino e o feminino divinos, onde a Noiva espera por seu Noivo: “Deixe o meu amado entrar nesse jardim e comer os seus excelentes frutos” (Cântico dos Cânticos 4:16).

O Noivo Divino

O unicórnio é mencionado no Salmo 92, na versão grega da Bíblia, a Septuaginta: “Meu chifre será louvado como o chifre do unicórnio, será ungido com o óleo fresco.” Esse texto associa o unicórnio à unção do rei e ecoa o versículo do Salmo 23, no qual o rei se dirige à deidade feminina: “Unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda”. Talvez o unicórnio tenha se tornado um antigo símbolo dos reis divinos por causa dessa associação entre o seu chifre e a unção do rei. Essa passagem também pode ser a fonte de uma conhecida associação da mítica besta com Jesus Cristo, o Messias Ungido das almas em evolução na Terra (vivendo entre TODOS os povos do planeta). Todas as profecias e todos os salmos do Messias na Bíblia eram entendidos pelos exegetas do cristianismo primitivo como uma referência também a Jesus. A unção do “chifre” ou da “cabeça” do Noivo/Rei era parte de um antigo ritual do Hieros Gamos, a sagrada união do masculino e feminino divinos.


É claro que a Igreja medieval teria ignorado as conotações sexuais do chifre solitário, ressaltando o simbolismo da força e da fertilidade masculina. No entanto, é estranho que o unicórnio da lenda seja atraído para colocar a cabeça no colo de uma virgem. A poesia do ritual do Hieros Gamos, escrita em sumério antigo para a Deusa do Amor, Inana, inclui os versos: “O rei vai de cabeça erguida para o colo sagrado, Segue de cabeça erguida para o colo sagrado de Inana, O rei está chegando com a cabeça erguida, Chegando à minha rainha de cabeça erguida”… O Noivo/Rei de “cabeça erguida” ou de “chifre” procura, inevitavelmente, o colo da Noiva para a consumação do Casamento Sagrado. O mesmo faz o mítico unicórnio. O significado erótico das imagens não pode ser ignorado.

Embora as tapeçarias tivessem sido tecidas na aurora do Renascimento (1500 d.C.), a história do unicórnio com a cabeça no colo da virgem originou-se no mundo clássico, período em que eram rotineiras as imagens do rei sagrado e de seu casamento com a Deusa do Amor. O atributo mais importante do rei sagrado era a virilidade e sua mais importante função era a de proteger os seus domínios. Mais tarde, isso foi traduzido na habilidade de gerar filhos. Sem herdeiros, um rei era considerado fraco, e o futuro de seu reino, incerto. Essa realidade das tapeçarias do unicórnio, John Williamson observa que esse animal era um símbolo da fecundidade masculina. Concordo plenamente, observando que o unicórnio continuou a aparecer em trabalhos de arte e que sua popularidade era tanta que os apologistas da doutrina tentaram desesperadamente lhe dar interpretações místicas e ortodoxas, desviando-se, de maneira consciente, das evidências físicas.

As explicações oferecidas chegavam a ser bizarras. Uma das interpretações tradicionais do unicórnio com a cabeça no colo da donzela é a de que a mulher é a Virgem Maria, e o animal é Cristo tentando tornar-se encarnado em seu útero. Essa explicação ignora, porém, o significado fálico da cabeça do unicórnio, de seu chifre levantado e do colo da donzela. Essa mulher, com toda certeza, representa a deusa do mundo antigo, sentada no jardim, esperando para abraçar o Noivo/Rei. Como o mítico unicórnio, que preferia morrer a ser escravizado, a heresia albigense do Graal foi impiedosamente caçada. As tapeçarias expostas no Cloisters revelam detalhes da lenda.

No primeiro painel, os caçadores aparecem preparando-se para a caçada. O unicórnio, no segundo painel, está ajoelhado diante de um rio que se origina de uma fonte. Ele está molhando o chifre, e diversos animais esperam para beber da água. Essa cena tem profundas associações simbólicas com a heresia, cujos pregadores itinerantes eram conhecidos como cátaros, ou “os puros”. As “águas da verdade” fluindo da Igreja Católica eram consideradas poluídas pelos hereges, pois elas estabeleciam falsas doutrinas, principalmente as que se relacionavam à natureza humana de Jesus. O chifre representa, de maneira simbólica, a virilidade de Jesus, exatamente a doutrina que estava no âmago da heresia. Assim, para os hereges, o chifre do unicórnio purificaria o maculado ensinamento da Igreja.

Em seu maravilhoso livro, Williamson observa que muitas das plantas que crescem perto do rio são tóxicas, refletindo a água venenosa que se origina da fonte poluída. Ele enfatiza, ainda, que é muito significativa nesse painel a presença da maligna Silene latifólia, ou “flor-da-morte”, também conhecida como “flor-do-diabo”, ocupando um lugar de destaque entre as pernas do caçador central, avisando de sua terrível intenção. No terceiro painel da tapeçaria, os caçadores estão ao redor de um riacho tentando espetar o unicórnio com suas lanças. Na quarta peça, ele aparece defendendo-se, chutando com ferocidade e ferindo um dos cães. Esse é um estranho simbolismo para Cristo, que teria seguido docilmente para seu destino na cruz, segundo a história. Mas é um retrato preciso dos cátaros albigenses, que defenderam sua terra natal, Provença, com toda a bravura contra os opressores mercenários do Vaticano e do rei da França por toda uma geração, antes de sucumbirem a uma força superior, em Montségur.

O quinto painel é, infelizmente, composto de dois fragmentos dos quais falta um grande pedaço. O unicórnio conseguiu chegar ao jardim, que está cercado de rosas vermelhas e brancas crescendo ao longo de uma cerca. A mulher nesse fragmento é a criada da mulher do jardim, cuja delicada mão (a única parte dela que permaneceu) acaricia o pescoço do unicórnio. O resto da tapeçaria, a parte que retrata a donzela, é a única que falta dos sete painéis. É impossível não questionarmos se essa perda foi intencional! Com toda certeza, a mulher estava segurando o espelho universalmente associado à Deusa do Amor. Em minha opinião, é pouco provável que esse pedaço da tapeçaria tenha sido destruído por acidente, uma vez que todos os outros painéis permaneceram intactos.

O unicórnio devia ter os cascos no colo da moça, como nas outras séries de tapetes. Ou outro símbolo no painel pode ter deixado a identidade da Deusa do Amor tão óbvia que foi intencionalmente destruído por um bem-intencionado guardião da fé ortodoxa, assim como os trunfos do tarô que retratavam A Papisa e a Imperatriz no baralho de Carlos VI devem ter sido eliminados por exibirem símbolos heréticos. Na sexta tapeçaria da série da caçada, o unicórnio foi brutalmente sacrificado, e sua carcaça, jogada sobre um cavalo. A Igreja oficial caçou e sacrificou o fantástico animal – e o Cristo dos hereges está morto, assim como suas doutrinas, suas famílias e suas esperanças para o milênio.

A dama e o unicórnio: o sentido da visão.

Segundo os estudos de John Williamson, a flora e a fauna desse painel refletem a morte do unicórnio, vencido e traído, e sua jornada para a esfera do submundo. Nós já observamos que a linguagem de êxtase usada nas canções dos trovadores foi, mais tarde, “purificada” pela Igreja e moldada para referir-se à Virgem Maria e ao Cristo, alcançando ápices sublimes nos escritos dos místicos medievais. Eu não me contento com a interpretação tradicional da caçada do unicórnio, culminando com a morte da mítica criatura de um só chifre no sexto painel e sua ressurreição no jardim cercado, na sétima peça. Acredito que isso tenha sido uma tentativa feita ex post facto, ou seja, retrospectivamente, para dar um sentido místico cristão a essas magníficas obras de arte heréticas. Assim como igrejas cristãs foram erguidas em santuários de deidades pagãs, e nomes e lendas cristãos foram dados a antigos deuses e deusas, a Igreja também tentou interpretar o unicórnio de maneira ortodoxa.

Mas, por mais que tencionasse racionalizar e distorcer, esse animal sempre foi e sempre será um símbolo particularmente exótico da fertilidade do Noivo/Rei divino e sagrado. O tema da fertilidade e da sexualidade é ressaltado pela iconografia das árvores nas tapeçarias. Os frutos do carvalho e dos pinheiros são imagens visuais da masculinidade. A laranjeira (símbolo solar) expressa a união conjugal dos sexos: suas folhas, seus botões e seus frutos estão presentes na árvore, todos ao mesmo tempo, e seus botões eram tradicionalmente carregados pelas noivas. Outra tradição também é a romã, que simboliza a fecundidade feminina, “repleta de sementes”. O azevinho é o feminino, produzindo botões brancos e frutos vermelhos, as cores da fertilidade e da pureza – a Noiva-Irmã divina.

Suas folhas, contudo, são sempre verdes e com pontas, representando o masculino. Essa planta, muito usada para simbolizar o Natal, parece exprimir a encarnação dos aspectos masculino e feminino de Deus. E é interessante observar que se trata de um arbusto que precisa de fertilização cruzada para produzir seus belíssimos frutos vermelhos. Acredito que o unicórnio das tapeçarias representa o Jesus viril da heresia do Graal.

Sua reputação de purificar as águas é clara. Era esse o clamor dos cátaros desde o início, o de que suas doutrinas eram mais puras – ou seja, mais próximas da fé dos apóstolos – do que as da Igreja romana. Como o unicórnio, a versão da fé cristã dos hereges foi abatida, traída e brutalmente sacrificada. Mas, como a verdade é eterna e não pode ser destruída, no fim o unicórnio descansa sob a romãzeira no jardim cercado. O sétimo painel, que não fazia parte da série original, acrescenta um desenrolar inesperado à história. Nessa peça, o fantástico unicórnio está cercado pelos símbolos florais medievais de noivado, fertilidade e sexualidade – inclusive potentes e populares afrodisíacos!

O tipo de orquídea que é colocado de maneira evidente sobre o corpo branco do unicórnio é chamado, em francês, de testicule de prête, que significa “testículo de padre”. O pé-de-bezerro é um ícone da relação sexual, enquanto a pervinca tem fama de gerar o amor entre o homem e a mulher. A bistorta ajuda a fertilidade, a seiva do dente-de-leão aumenta o fluxo de sêmen, a violeta representa a luxúria e o cravo-da-índia simboliza a fertilidade feminina. Todas essas plantas simbólicas estão cuidadosamente identificadas na obra de Williamson. A seiva vermelha que marca a pelagem branca do unicórnio vem do fruto extremamente maduro da romã posicionada acima, um antigo símbolo do útero. E, situada de forma proeminente no centro da figura, está uma flor comum, a íris, o modelo da flor-de-lis – ou a “pequena espada” dos merovíngios.

No último painel, o unicórnio está descansando em um jardim cercado, que é o símbolo da Noiva. Assim como os dogmas da heresia, ele não morreu – está muito vivo! Do sétimo painel, ele provoca a Igreja oficial. Ninguém pode matar a verdade muito menos o rei sagrado: ambos têm maneiras de sobreviver às mais atrozes torturas e de se renovar! As tapeçarias do unicórnio, que pertenciam as famílias do Sul da França que sabiam de seu valor, podem ser interpretadas, sem dificuldade, como ilustrações da importante e não reconhecida heresia da Idade Média, a heresia da virilidade física de Jesus e de seu papel como o sacrificado Rei/Noivo divino, que ecoou nos mitos celtas e do Oriente Próximo.

Há outra pista nas tapeçarias do unicórnio que as liga, de forma indelével, à heresia. Nós já identificamos os símbolos predominantes da Deusa do Amor – as rosas, a lua crescente, os coelhos e o espelho – e sabemos que tanto o leão quanto o unicórnio são símbolos de Cristo e dos reis divinos. Nas tapeçarias do Museu de Cluny há dois painéis em que a letra X enfeita os ombros do vestido da donzela, o que poderia ser um simples acaso. Contudo, nas tapeçarias da caçada, no último painel, essa letra ocupa uma posição central e não pode ter sido inserida ali por acidente. Nessa série, as letras A e E foram tecidas nos cantos e no centro dos sete painéis; e ambas causaram bastante controvérsia. Uma breve consulta ao livro de Bayley, The Lost Language of Symbolism: An Essential Guide for Recognizing and Interpreting Symbols of the Gospel, pode derrubar a teoria de que elas são as iniciais dos nobres que encomendaram o trabalho ou talvez de sua futura esposa (embora essa seja sempre uma possibilidade). A letra A, no formato em que aparece nas tapeçarias, é um hieróglifo estilizado para alef e tau, o “alfa” e o “ômega” do alfabeto hebraico. Significa “o Primeiro e o Último”.


Ela é, ao mesmo tempo, um epíteto do Deus imanente e invisível e uma oração para um milênio de paz (contém a letra M em seu interior). Esse sinal predomina nas marcas-d’água da Idade Média. O livro de Bayley também fornece uma explicação para a letra E: ela significa “o Deus Vivo”. Talvez as tapeçarias tivessem sido feitas em homenagem a esse Deus Vivo, o Alfa e o Omega, e não a alguém que as tivesse encomendado. Ainda mais significativo do que essas letras é o cordão que as une à romãzeira no sétimo painel da tapeçaria denominado “A caçada do unicórnio”.

O cordão está enrolado no tronco da romãzeira formando a letra X (CHI) bem no meio da árvore e do painel. E para ter certeza de que esse X (CHI) seria compreendido como algo consciente, ele foi colocado ali não uma, mas duas vezes! Como os hereges usavam a letra X (CHI) com frequência como um código secreto de sua fé, não é de surpreender que ele esteja no centro do pomar cercado onde nascem romãzeiras, local de celebração do Casamento Sagrado – o jardim da Noiva-Irmã.

Continua …

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