sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

ATENTADO DE PARIS 2015 E ESTABILIDADE DA UNIÃO EUROPEIA

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Hôtel de Ville - Prefeitura de Paris
O atentado político ocorrido neste sete de janeiro de 2015, na cidade de Paris aponta para a a fragilidade da União Europeia. Sem desprezar a importância do hebdomadário parisiense “Charlie Hebdo”, cujo nome foi dado em homenagem a Charles Brown, personagem de histórias em quadrinhos do cartunista norte-americano Charles Schultz, acredito que o fato tem um horizonte muito mais amplo.
É óbvio que a perda do chefe de redação do periódico Stéphane Charbonnier, o Charb, dos três renomados chargistas: Jean Cabut, o Cabu,  e Bernard Verlhac, conhecido como Tignous, e Georges Wolinski, é irreparável não somente para a imprensa francesa, mas também para toda a cultura dos últimos tempos no mundo inteiro.
Stéphane Charbonnier, o Charb

O que me chama mais à reflexão não é apenas o terrorismo, o radicalismo de alguns grupos. Esse ato, aparentemente isolado, aponta para a situação interna de todo o mundo europeu e para o nosso momento histórico no mundo.
A União Europeia é um grupo de estrutura muito frágil, pois, além de abrigar grupos de povos que, depois da queda do Império Romano, jamais viveram uma estabilidade política interna, vem recebendo migrantes das mais diferentes origens e orientações políticas e confissões religiosas muitas vezes em conflito. A partir do século IX, com o Sacro Império Romano Germânico, viveram um longo período de aparente estabilidade.
Porém, o século XX foi marcado por dois grandes conflitos conhecidos como guerras mundiais, cujos trágicos resultados conduziram à União Europeia, resultado de um esforço enorme para superar as diferenças internas pelo consenso e pelo convívio pacífico. No entanto, muitas realidades regionais, de nível econômico, sociológico, ideológico, religioso e especialmente político minam a unidade desse grupo de interesses tão diferenciados.
Jean Cabut, o Cabu
A comunidade britânica nunca se integrou totalmente ao bloco, mantendo, até mesmo, sua moeda nacional. França e Alemanha sempre disputaram a liderança econômico-política da entidade. Embora a Alemanha se imponha pela supremacia econômico-financeira, a França sempre teve historicamente uma liderança inquestionável no tange às transformações sociais.
Os países periféricos como Portugal e Grécia alegam perdas financeiras no momento da unificação da moeda. Outros membros importantes do bloco com Itália e Espanha enfrentam problemas financeiros relevantes dentro do grupo, além de altos níveis de desemprego, especialmente entre os jovens.
Além dessas diferenças entre as nações, há fortes descontentamentos internos, destacando-se o fato de haver um grande número de imigrantes pela Europa toda.
Um grupo marcante desses imigrantes é de origem árabe-muçulmana. A França tem uma grande comunidade de origem muçulmana, mormente os de origem do período colonialista. Desses árabes, grande parte são de origem argelina, a última grande colônia francesa.
É sabido que o conflito franco-argelino foi sangrento e os franceses não são inocentes no que houve na ex-colônia. Houve muitos exageros, com verdadeiros massacres de argelinos que não se submeteram ao domínio francês.
Bernard Verlhac, conhecido como Tignous
Além do mais, há feridas ainda abertas do milenar conflito entre europeus e árabes. Sem recorrermos à história antiga, basta observarmos a invasão da península ibérica, Portugal e Espanha, pelos árabes no século VIII, onde permaneceram até meados do século XV, sendo expulsos paulatinamente, durante séculos, mas deixando, por Espanha e Portugal, uma legião de descendentes, que já se haviam europeizado.
Mais proximamente, houve sucessivas tentativas de o poderoso Império Otomano, que reunia a grande maioria dos países árabes, de invadirem a Europa pelo leste. Dominaram a região da Grécia e dos Bálcãs, mantendo um conflito de séculos. Não se podem olvidar as cruzadas cristãs que, do início aos meados do segundo milênio, alimentaram conflitos entre árabes e europeus, pelo domínio religioso e comercial da chamada Terra Santa, berço da religião cristã.
Desses conflitos milenares, somados à divisão do mundo árabe em nações, no pós-guerra, muito mais ao sabor dos interesses norte-americanos e europeus, sancionados pela ONU em meados do século XX, e das muitas injustiças praticadas por ambas as partes, restam chagas que criam ressentimentos em uma parcela da população árabe.
Georges Wolinski
Desses movimentos políticos e militares todos, mais dos conflitos atuais do Oriente Próximo, resulta uma grande quantidade de migrantes árabes distribuídos pela Europa e pelo mundo. Diferentemente da maioria do outros povos, os membros da grande nação árabe são facilmente identificáveis, pois grande parte deles usam vestes típicas.
No caso específico da Alemanha, que tinha o Império Turco como aliado na Primeira Guerra Mundial, há hoje uma comunidade turco-árabe muito numerosa. Migraram para esse país muitos turcos em busca de trabalho, para exercerem, de modo especial, as funções mais pesadas, que os germânicos não desejam executar.
Assim, em todos os países da Europa, foram-se criando comunidades árabes. Como geralmente eram mais pobres que os nativos, grande parte deles foram marginalizados, originado jovens que não tiveram acesso às profissões mais desejadas e se tornaram alvo de aliciadores do crime, mais especificamente os movimentos terroristas.
Porém, com o advento de tempos mais difíceis gerados pela crise europeia, os cidadãos nativos passam a olhar para os estrangeiros como usurpadores de seus direitos. Líderes de partidos de direita valem-se dessa insatisfação para combaterem os membros dessas comunidades, valendo-se de todos os argumentos, muitas vezes mesmo espúrios, para atingirem os próprios objetivos políticos.
O que pude perceber, em minhas viagens à Europa, foi a grande quantidade de bebês árabes e negros, contrastando com o pequeno número de criancinhas alemãs, francesas, italianas, inglesas por todos os países que visitei. Isso mostra que esses povos estão em expansão numérica muito superior à dos povos nativos. Isso tudo deve projetar temores no espírito dessa gente que se vê ameaçada.
Acontece que, não é impossível que, por trás de ações terroristas, esteja a mão de radicais de direita, a quem interessam ações de natureza lesiva à sociedade. Essa insatisfação pode render votos à direita que defende o princípio de que a Europa deve ser reservada para os europeus. Como esses laços são invisíveis, dificilmente se podem comprovar as ações de direita mascaradas de terrorismo esquerdista. Será?



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