segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

PORTENTOS E PRODÍGIOS - O EGITO




Caminhava, faz um tempo já, nas areias escaldantes que separam a esfinge da grande pirâmide, sob o peso incomensurável dessa história, mais velha do que tudo o que é muito, muito antigo... E o absurdo punha brumas entre o real e o impossível... Ao entrar no multimilenar monumento, um ar gelado penetrou meu corpo, como se dali, inesperadamente, surgisse uma múmia escurecida, convidando-me para visitar seus vetustos e inusitados aposentos.
Deslumbrado, arrastado por um misto de sestro e curiosidade, meio eu, meio ninguém, jamais havia visto algo tão estúrdio... Demorou-se-me um pouco a alma a assenhorear-se e refazer-se porque, realmente, não pude dar-me conta de mim mesmo diante de situação tão invulgar.
Voltei, olhei para El Cairo... Quando dei de mim, estava na margem do grande rio. Contemplei minha mulher, cuja imagem arrastava-me para o real. Mas o velho rio me atordoava outro tanto...
Veio-me à mente o vulto da divina Isis alada, infeliz, nessa mesma margem... os pés sagrados nas sagradas águas do sagrado Nilo... Da angústia das faces divinais, procurava cuidadosa os fragmentos do amado esposo, esfacelado pela feroz cobiça do perverso irmão... E essa luz divina impregnou a natureza toda, dos ferozes sauros às flores de lótus, que flutuam pávidas pela correnteza...
Fantasiosa ou tangível realidade, mais uma vez lhe veio, à deusa, o amado Osíris... Passado o tempo, Hórus nasce fúlgido como o fora o pai... Do ventre fecundo, somado a todos os demais, desde as plantas a todos os animais desse perene amor de virtuosa dea, plenifica-se a natureza, em todas as espécies, e o eterno feminino reproduz a vida e cumula os mundos, até que surja outro fruto dos males todos... O vetusto Seth, personificação das sombras e de todos os abismos e perversões que há e pode ainda acontecer, espreita a todos para novas improbidades...
Diante do mistério e do milagre da vida que todos os ventres, todos os gineceus, somados aos mais insólitos prodígios da gênese, extasiamo-nos todos, porque, embora corriqueiro, esse eterno repetir-se nada possui de vulgar... O homem primevo arrebatava-se diante desse mistério sem suspeitar de sua participação nesse processo divinal e probo...