sábado, 16 de fevereiro de 2019

SOMOS PURA INCERTEZA... CONVICÇÕES, SÓ OS LOUCOS...

Oscar Luiz Oscar Brisolara

"Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas! Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?" (Fernando Pessoa - Tabacaria)
O velho, sentado no sofá da sala, tapeava uma mosca teimosa que insistia em perturbar sua leitura do jornal matutino. De repente, a danada sumiu. Virou-se, o avô, para uma mesinha ao lado. Com seus cabelos cacheados, esparramados sobre a tábua escura, a menina contemplava as moscas circulando ao redor da comida. Pois não é que o bicho danado havia mudado de cliente...
- Querida, por favor, não desperdice comida. A menina, com aplicação, havia feito, metodicamente, dois trilhos largos sobre a tábua... um de açúcar... outro de molho vermelho, suculento...
- Vô... ouvi a vó e a mamãe dizerem que se deve alimentar os animas. "É desumano deixá-los passar fome." Todos os dias vocês dão comida para o gato e para o Bilu... a vovó repõe a comida e a água do louro a toda hora... Desde ontem, eu estou cuidando... dessas coitadas... as moscas... também são filhas de Deus... Vivem fugindo da toalha da Cacá e da vovó... e do mata-moscas do senhor... mamãe diz que essas insuportáveis infestam a casa de micróbios... Eu vou cuidar delas... Perturbado, o velho se deu por vencido... não respondeu...
É verdade... pensou o velho, confuso... foi mais longe... Ninguém suporta moscas... mosquitos, então..., a maioria tem medo de aranhas, lacraus... há mitos em torno da vida dos escorpiões,... os grilos são chatos... serpentes... é bom nem falar... Mas também não podemos fazer de nossas residências um antro repugnante de peçonhentos insalubres... é como devia ser a arca de Noé... Noé... pois foi ele... o responsável por essa confusão... quarenta dias sob as águas do dilúvio... nenhum sobreviveria... Mas o velho insonso tinha que selecionar também um par de cada espécie...
O avô sumiu por uma semana... Talvez mais... ao raiar do sétimo dia, sete é sagrado na numerologia, estava de volta... Sua casa se tornara um ... Esquecia-me de dizer que o velho vivia num enorme casarão com sua Mariana... que cuidava de um papagaio... Quando se alimentavam em horário normal, faziam isso na casa de uma cunhada, cuja residência ficava conjugada à do idoso...
Pois, desde o diálogo com a neta, do qual, aliás, ninguém jamais soubera, o ancião se fora para o não sabido... Como era dado a viagens inesperadas... sem avisar ninguém... Sumia para casas de amigos... dos filhos distantes... de fato, ninguém sabia exatamente o roteiro e o destino desses desaparecimentos... Por isso, ninguém estranhou... do mesmo modo, reapareceria... como de costume... sem cumprimentos especiais... como se jamais se houvesse afastado de casa... É que desta vez levara consigo a neta...
Fora à casa de um ex-colega de faculdade... Haviam ambos cursado juntos, numa renomada Universidade europeia, um curso de Física avançada... se haviam ambos especializado em física quântica... haviam feito inúmeros cursos de especialização nos mais conceituados institutos da Europa e dos Estados Unidos... 
A ciência se tornara uma mania... estudavam muito... Faziam muitas pesquisas e experiências de cujo resultado ninguém mais sabia... Porém, analisando a fundo mesmo, cada um deles, tinham lá sua dose de insanidade... O passar dos anos agravara o mal... O tempo... ah, o tempo... era a dimensão mais apaixonante das buscas deles... Seria, o tempo, a quarta dimensão, como afirmam os membros de uma forte corrente de físicos contemporâneos?... Assim, o universo seria uma engrenagem perfeita... em suas quatro dimensões...
O comprimento, a largura e a altura se impõem pela evidência e a constatabilidade... Evidência?... pensou o velho lá com seus botões... sentiu-se o próprio Isaac Asimov, compondo sua "Fundação", trilogia do literato russo mais proeminente na área da ficção científica... O velho doidivanas tinha nas mãos as engrenagens do mundo... Era o próprio Arquimedes na busca de um ponto de apoio para a sua alavanca dos mundos... O tempo..., era só acelerar o tempo e tudo se transformaria... à velocidade da luz... chegar-se-ia ao futuro... e Deus? pensou... deixa ele p'ra lá... Já tinha complicações bastantes...
Como abordar esses assuntos com sua netinha? e o sentido da paixão dela pelas moscas...? Ah! Uma nave... Mas ele apenas tinha um automóvel... mais de 100km/h seria uma temeridade nas mãos de um velho trêmulo e hesitante... O que se tem até hoje são naves velozes, mas que viajam a alguns milhares de km/h.
De repente romperam-se as fronteiras quânticas do tempo... estavam os dois amigos orando em companhia da neta do primeiro, o que faziam sempre, quando alguém passou para buscá-los... tão de repente... nada entenderam... simplesmente foram... Para Aldebaran... ? Ou para o Reino divino? Nem eles sabiam...
Numa velocidade indescritível... foram deixados em uma planície à beira de um lago... Havia gente mais ao largo... os velhos discutiam sobre a loucura... caminharam lentamente... encontraram pessoas que se comunicavam sem falar... entendiam o que eles pensavam... 
Levaram-nos a um lugar onde se comia... foram convidados à refeição... Os pratos vinham às mesas como se por mágica... Ninguém criava animais... do próprio lixo caseiro se fazia tudo... tudo era desmembrado e se tornava carne, pão e tudo o mais... Eles tinham remoçado como que por um passe de mágica... e a menina se tornara adulta e jovem... Entenderam que era um processo de nanologia... a microengenharia moderna... Para que sacrificar animais se a ciência já fabricava o produto final... E as relações humanas... brigas, guerras, roubos para quê? Todos possuíam de tudo dentro das próprias necessidades...
O velho acordou... procuravam por ele já há dias... a menina desaparecera... a polícia ainda não dera conta dela... O velho endoidecera de vez... contava coisas fantásticas... sua mente se deteriorara por completo... Não dá para contar... um dia vocês verão... Durou um par de meses... Dizem os mais chegados que em seu túmulo havia um perfume... Abriram a sepultura e nada havia lá... Afinal... e os fatos...? Fato é o que se quer que seja...