quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A POESIA SENSUAL E APAIXONADA DE FLORBELA ESPANCA AFLORANDO EM "PRIMAVERA" - LITERATURA PORTUGUESA

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

Embora estejamos sendo penalizados pela natureza com granizo e chuvas excessivas, cabe-nos reagir, para reconstruir a vida e o futuro com o pouco que nos reste. Este é o espírito da
primavera. Depois do frio do inverno, conforme o mito romano da deusa Flora, a natureza explode em rebentos verdejantes e florescimento generalizado de todas as espécies. O pólen passeia nos ares e plenifica o seio das flores que explodirão em frutos e sementes. Essa é a eterna renovação de tudo. Em um memorável soneto sobre a presente estação do ano, Florbela desenrola sua paixão e sensualidade ao impulso dos hormônios que mais poderosamente afloram na primavera.


PRIMAVERA
Florbela Espanca

É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha;
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!
.
Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida... não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!    

Não há bem que não possa ser melhor!

Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta, à tua espera...

Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos...
Parecem um rosal! Vem desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...
 
( ESPANCA, Florbela. Sonetos. Rio de Janeiro/São Paulo: Bertrand Brasil, 1987.)

Segundo demonstra Welis Couto em trabalho acadêmico intitulado “A Sensualidade na Poesia de Florbela Espanca”, a poetisa portuguesa consegue ser sensual sem ser vulgar.

“A ousadia de Florbela Espanca não se resumiu à sua vida e seus amores. Florbela ousou também na poesia, transplantando para esta o desejo das mulheres dos salões que continham o seu fervor, a sua volúpia, o seu erotismo e se portavam submissas às vontades dominantes dos maridos, embora intimamente existisse o desejo incontido de transgredir as leis da sedução.”
“A poetisa não se intimida pela presença e domínio masculinos e mergulha no prazer de”

‘Amar, só por amar: Aqui... além
Mais Este e Aquele, e Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!’

“Amar como amou a poetisa, sem perder a identidade, de deixar de ser mulher para se entregar às vontades do marido; amar com zelo, mas amar racionalmente, o que Florbela soube fazer em uma vida de muitos amores que, embora dependente financeiramente dos maridos, a poetisa nunca perdeu a vontade própria, nem deixou que o seu ideal fosse norteado por outro, que senão ela mesma.”
“Voltando, porém à primeira fase da poesia de Florbela, encontramos uma poetisa menos contida, que entrega de corpo e alma a um amor-fantasia. É o que podemos ver nessa quadra de um lirismo exacerbado:”

‘Não há amor nesse mundo
Como o que eu sinto por ti,
Que me ofertou a desgraça
No momento em que te vi!’

“Os versos mostram a poetisa que surgia em Florbela Espanca ainda sentindo o frescor da presença romântica. Voltemos, contudo, à fase já amadurecida onde a poetisa, sedutora, decantando os seus dotes amorosos convida o amado para os seus braços, que ao modo de uma teia de aranha, retê-lo-á docemente. Entretanto, a poetisa não propõe devorá-lo, mas, amá-lo eternamente.”

‘Os meus braços são brancos como o linho
Quando os cerro de leve, docemente...
Oh! Deixa-me prender-te e enlear-te
Nessa cadeia assim eternamente!...’

“Florbela inverte o centro do amor em uma época em que a poesia é escrita por homens e a estes, sim, cabe cantar o amor. Ela coloca toda a sensualidade feminina e, com um erotismo docilizado deixa fluir a poesia do mais belo canto.”

‘Vem para mim, amor... Ai não desprezes
A minha adoração de escrava louca!
Só te peço que deixes exalar
Meu último suspiro na tua boca!...’

“A poetisa tem ainda a certeza de que seu amor é mais forte e poderoso do que todos os outros. Mesmo sabendo que a pessoa amada dormirá em outros braços, consola-lhe a certeza de que nunca ele encontrará amor igual ao dela. Aqui temos retratado o amor puro da poetisa, aquele que fica para sempre presente na alma amante, e o amor das demais mulheres é transformado em amor comum, passageiro.”

‘Por essa vida fora hás de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d'oiro fulgindo em minha boca!
(...)
Mas nunca encontrarás p'la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d'amor, que são meus versos!’













  

“Entretanto, há momentos em que a poetisa parece retomar a sobriedade e pede cautela ao coração. Provavelmente analisando o mundo adverso em que vivia em uma sociedade duramente machista, ela pede ao seu coração para que não obedeça às suas vontades, pois o amar demais pode não valer o prazer de uma saudade.”
“A realidade, dura, poderá, também, não lhe conceder o direito de tanto amar, pois”
‘Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!’

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