terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O DESERTO

Nós e a grande pirâmide


Oscar Luiz Brisolara
O deserto é da ordem dos deslumbramentos... da mesma natureza do mar sem fim... Mas é incompreensivelmente vivo... pleno de abscônditos humores... implacavelmente inflexível em suas regras e ordenamentos... no entanto, repleto de miragens, como o mundo que habitamos...
Conheci um homem do deserto que me revelou muitos de seus insondáveis recônditos que nos escapam aos olhares e escutas superficiais do dia-a-dia...
Falou-me ele das grandes chuvas... ele havia visto e sentido no próprio corpo apenas uma... já havia setenta e cinco anos... mas as havia muitas e moravam na alma dos antigos... Essas enchentes invadiam tudo... formavam-se imensas corredeiras, riachos e rios... mas, em poucas horas, tudo serenava... as correntes acabavam... tudo voltava aos tórridos areais e pedras... Mas havia água... em abundância... por toda parte... Era imprescindível mantê-la em segredo aos inescrupulosos...
A primeira vez em que estivera em Paris, dissera-me, setara-se à margem do Sena... lá permanecia por horas sem se mover, contemplando a abundância das águas que fluíam sem cessar... 
DESERTO
Quando o amigo que o trouxera solicitara-lhe para seguirem em diante, ele disse que ficaria até o fim... - O fim de quê? dissera o outro... - O fim da loucura de vosso Deus...
Quando soube que esse rio jamais deixara de fluir de há milênios... titubeara na fé de seus antepassados... Só a havia recuperado muito tempo depois... quando voltara aos espíritos e às energias ignotas que habitam os silêncios e as tempestades desérticas... Tudo se harmonizara imperceptivelmente... pois o universo é, na essência de seus elementos, pura e extrema harmonia... mas essa é uma descoberta, cujos limites são sempre movediços, e cuja apreensão requer incontáveis tempos despendidos e meditações sem conta, nos longos silêncios para o interior de tudo o que está para além de todos os segredos e mistérios... Espero que as visitas dessas incontempláveis forças, gradativamente, conduzam-me à essência de todas as essências...

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