sábado, 29 de junho de 2019

ADEUS, SERGINHO... (CRÔNICA AO FALECIDO GUARDADOR DE CARROS DA NOSSA RUA)

ADEUS, SERGINHO. . . 
Algo como que se quebrou dentro de nós. Não podia ser verdade. Seria outro, o falecido? Confirmou-se. Mas ele estava aqui, no estacionamento da galeteria, ainda há pouco? A mensagem na web. A certeza. O nosso guardador de carros se fora para o desconhecido.
No silêncio abissal daquelas horas tardias, paradas, mortas, era ele, indubitavelmente. Cerrei fortemente os olhos. Veio-me, como sempre, à mente o inconfundível e enorme vulto de braços abertos . . . sinalizava o trânsito para eu atravessar com segurança . . . Estendia-me aquela mão enorme . . . 
E os tempos de todos os tempos somavam-se pesadamente na minha alma . . . Ele estivera ali, dia após dia, noite após noite. A presença dele se multiplicava pelas madrugadas todas de todos os finais de semana, na virada da rua.
Como pude??? Como pudemos??? Todos sabíamos: a calçada fria nas cortantes madrugadas de sempre; seu colchão, a pedra dura; as cobertas, um pano roto, meio sujo . . .
Nunca uma queixa: Tudo bom!!! Tudo muito bom. Tudo ótimo!!!. Bom??? Muito bom??? Ótimo??? Com ele, morre um pouco o desprendimento humano. Perde-se um pouco desse saber que nasce nas ruas. É filho da dor. Crescera duramente como se criam essas almas que o grande MESTRE envia para nos ensinar.
Doutores? De quê? Que sabemos nós de todas as dores que povoam essas almas simples, filhas do desalento, herdeiras do descaso?. Ouço ainda a voz de Eça . . .: “Longas são as estradas da Galileia e curta a piedade dos homens . . .” Para Ele também não houvera lugar nas pousadas daquele gelado inverno da longínqua Belém. Terra conhecida como o lugar em que até aos animais silvestres sobravam leite e mel. Fora depositado numa manjedoura de gado.
Quem se haveria de preocupar com um jovem tão pobre, tão insignificante aos princípios de uma sociedade que apenas valoriza as aparências e as posses? Ele não tinha nada. Sequer um travesseiro para repousar a cabeça . . . 
Adeus, caro Serginho, cuidador dos carros dos outros, dos bons. O céu te trouxe, o céu te levou e levou com ela a esperança dos simples. Deixou desalentados para sempre todos os desvalidos desta Pátria da abundância e da desigualdade. Adeus, bom Serginho! 

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