segunda-feira, 17 de junho de 2019

AS DIGITAIS DOS DEUSES (27) - A FACE DA TERRA ESCURECEU E UMA CHUVA NEGRA COMEÇOU A CAIR


As Digitais dos deuses (27) – A Face da Terra Escureceu e Uma Chuva Negra Começou a Cair
Posted by Thoth3126 on 17/06/2019

Forças terríveis foram desencadeadas sobre todas as criaturas viventes durante a última Era Glacial. Podemos deduzir a maneira como elas afligiram a humanidade pela prova firme de suas conseqüências para outras grandes espécies. Frequentemente, essa prova parece confusa. Ou, como disse Charles Darwin, após visitar a América do Sul:
“Ninguém, acho, pode ter ficado mais atônito com a extinção de espécies do que eu. Quando encontrei em La Plata [Argentina] o dente de um cavalo enterrado com os restos de mastodontes, megatérios, toxodontes e outros monstros extintos, todos os quais coexistiram em um período geológico muito posterior, fiquei cheio de espanto.”
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES”, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização
Capítulo 2: Rios na Antártida
Capítulo 4: O Vôo do Condor

Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.

CAPÍTULO 27 – A Face da Terra Escureceu e Uma Chuva Negra Começou a Cair

Isso porque, constatando que os cavalos, desde sua introdução pelos espanhóis na América do Sul, haviam corrido selvagens por toda a região e aumentado em número a uma taxa sem paralelo, perguntei a mim mesmo o que poderia ter exterminado, em data tão recente, o antigo cavalo, em condições de vida aparentemente tão favoráveis?
A resposta, claro, foi a última Idade de Gelo. Foi ela que exterminou os antigos cavalos das Américas e certo número de outros mamíferos antes bem-adaptados. A extinção tampouco se limitou ao Novo Mundo. Muito ao contrário, em diferentes partes da terra (por diferentes motivos e em ocasiões diferentes), na longa época de glaciação, ocorreram vários episódios bem distintos de extinção.

Em todas as áreas, a vasta maioria das muitas espécies destruídas acabou nos sete mil anos finais, por volta dos anos 15000 a 8000 a.C. Nesta fase de nosso estudo, nenhuma necessidade há de comprovar a natureza específica dos eventos climáticos, sísmicos e geológicos ligados aos vários avanços e recuos dos lençóis de gelo que exterminaram os animais. Podemos, com bons fundamentos, especular que maremotos, terremotos, ciclones gigantescos e a chegada e desaparecimento súbitos de condições glaciais tiveram um papel nesse particular. Muito mais importante – quaisquer que tenham sido as causas -, é a pura realidade física, de que a extinção em massa de animais ocorreu realmente, como resultado da turbulência da última Era Glacial. A turbulência, como concluiu Darwin em seu Journal, deve ter “abalado toda a estrutura do globo”.

No Novo Mundo, por exemplo, mais de setenta gêneros de grandes mamíferos desapareceram entre os anos 15000 e 8000 a.C., incluindo todos os membros norte-americanos de sete famílias e uma ordem completa, a dos proboscídeos. Essas perdas estonteantes, implicando a obliteração violenta de mais de quarenta milhões de animais, não ocorreram uniformemente em todo o período; na verdade, a vasta maioria da extinção ocorreu em apenas dois mil anos, entre os anos 11000 e 9000 a.C. Ou, para colocar o assunto em perspectiva, nos 300.000 anos anteriores apenas 20 gêneros haviam desaparecido. O mesmo modelo de extinção recente e maciça repetiu-se em toda a Europa e Ásia. Nem mesmo a distante Austrália escapou, perdendo talvez dezenove gêneros de grandes vertebrados, nem todos mamíferos, em um período de tempo relativamente curto.

Alasca e Sibéria: O Congelamento Súbito

Parece que as regiões do norte do Alasca e Sibéria foram as mais afetadas pelas sublevações letais ocorridas entre 13.000 e 11.000 anos no passado. Em uma grande faixa de morte, em volta da borda do Círculo Ártico, os restos de números incontáveis de grandes animais foram encontrados – incluindo numerosas carcaças com a carne ainda intacta e quantidades assombrosas de longas presas de mamute perfeitamente conservadas. Na verdade, em ambas as regiões, carcaças de mamutes foram descongeladas para alimentar cães de trenó e bifes da mesma origem eram oferecidos como atração nos cardápios em Fairbanks. “Centenas de milhares de indivíduos devem ter sido congelados imediatamente após a morte e assim permaneceram, pois, de outra maneira, a carne e o marfim teriam se estragado… Alguma poderosa força geral esteve certamente em ação para produzir essa catástrofe”. O Dr. Dale Guthrie, do Institute of Arctic Biology, apresentou um argumento interessante sobre a pura variedade de animais que floresceram no Alasca no décimo primeiro milênio a.C.:

Constatando a existência dessa exótica mistura de tigres-de-dente-de sabre, camelos, cavalos, rinocerontes, jumentos, cervos com galhadas gigantescas, leões, furões etc., não podemos deixar de especular sobre o mundo em que viveram. Essa grande diversidade de espécies, tão diferente da que prevalece hoje, provoca uma pergunta óbvia: não é provável que o resto do ambiente fosse também diferente?

Poderosas erupções vulcânicas ocorreram à milhares de anos, precedendo a última era glacial

Os sedimentos onde foram escavados esses restos parecem uma terra de fina granulação, cinzenta escura. Duras e congeladas no interior dessa massa, diz o professor Hibben, da Universidade do Novo México, encontram-se partes emaranhadas de animais e árvores, misturadas com lâminas de gelo e camadas de turfa e líquens… Bisões, cavalos, lobos, ursos, leões. (…) Rebanhos inteiros foram aparentemente mortos na mesma ocasião, vítimas de algum agente comum. (…) Essas pilhas de corpos de animais ou de homens simplesmente não ocorrem por ação de qualquer agente natural (…)”. Em alguns níveis, artefatos de pedra foram encontrados “congelados in situ em grandes profundidades e em associação com fauna da Idade de Gelo, o que confirma que o homem foi contemporâneo dos animais extintos no Alasca”.

Em todos os tipos de terra do Alasca, foi encontrada também prova de perturbações atmosféricas de violência sem paralelo. Mamutes e bisões foram rasgados e desfigurados como se pela mão cósmica de um deus irado. Em um local, deparamos com as pernas dianteiras e ombros de um mamute, com partes de carne, unhas e pelos ainda presos aos ossos enegrecidos. Perto, vimos o pescoço e o crânio de um bisão, com as vértebras ainda coladas com tendões e ligamentos, e intacta a casca quitinizada dos chifres. Não há marca de faca ou de instrumento de corte [como aconteceria, por exemplo, se caçadores humanos estivessem envolvidos]. Os animais foram simplesmente esquartejados e espalhados pela paisagem como outros tantos bonecos de palha, mesmo que alguns deles pesassem várias toneladas.

Misturadas com pilhas de ossos, encontramos árvores, também retorcidas e empilhadas em grupos emaranhados, e o conjunto todo coberto por areia fina, que desde então foi congelada e tornou-se sólida. Grande parte da mesma situação foi encontrada na Sibéria, onde mudanças climáticas catastróficas e sublevações geológicas ocorreram mais ou menos na mesma época. Nessa região, cemitérios congelados de mamutes, “minerados” para a retirada de marfim desde a era dos romanos, continuaram a produzir uns estimados 20.000 pares de presas a cada década nos inícios do século XX. Repetindo, algum fator misterioso parece ter estado em ação para ocasionar essa extinção em massa. Com sua pelagem lanuda e pele grossa, os mamutes eram em geral considerados adaptados ao tempo frio e não nos surpreendemos em encontrar seus restos na Sibéria. Mais difícil de explicar é que seres humanos morreram ao lado deles, bem como numerosos outros animais que, em nenhum sentido, se poderia considerar como espécies adaptadas ao frio:

As planícies do norte da Sibéria abrigaram imensos números de rinocerontes, antílopes, cavalos, bisões e outras criaturas herbívoras, enquanto uma grande variedade de carnívoros, incluindo o tigre-de dentes-de-sabre, se alimentava deles. (…) Tal como os mamutes, esses outros animais habitavam zonas que se estendiam do norte da Sibéria às praias do oceano Ártico e ainda mais ao norte, chegando a Lyakhov e as Novas Ilhas Siberianas, a apenas curta distância do Polo Norte.

Pesquisadores confirmaram que, entre as 34 espécies de animais que viviam na Sibéria antes das catástrofes do século XI a.C. – incluindo o mamute Ossip, o cervo gigante, a hiena de caverna e os leões de caverna -, nada menos de 28 só eram adaptados a condições temperadas. Nesse contexto, um dos aspectos mais enigmáticos da extinção, e inteiramente contrário ao que as condições geográficas e climáticas modernas nos levariam a esperar, é que quanto mais ao norte se estendiam as pesquisas, maior o número dos mamutes e de outros animais. Na verdade, algumas das ilhas da Nova Sibéria, bem dentro do Círculo Ártico, foram descritas por seus primeiros exploradores como sendo constituídas quase inteiramente de ossos e longas presas de mamutes. A única conclusão lógica, como disse Georges Cuvier, zoólogo francês do século XIX, era que

“esse frio eterno não existiu antes nessas partes do mundo, onde os animais foram congelados, uma vez que eles não poderiam ter sobrevivido nessas temperaturas. No mesmo instante em que essas criaturas foram privadas de vida, a região inteira que eles habitavam congelou”.

Mamutes que foram congelados instantaneamente foram encontrados em diferentes partes do Círculo Polar Ártico, ainda com relva fresca em seu aparelho digestivo e com sua carne perfeitamente conservada podendo ser consumida

Há grande volume de outras provas a sugerir que um congelamento súbito ocorreu na Sibéria no século XI a.C. No levantamento que fez das ilhas Nova Sibéria, o explorador ártico barão Eduard Von Toll encontrou os restos “de um tigre-de-dentes-de-sabre e de uma árvore frutífera que tivera 30m de altura. A árvore estava bem preservada no gelo eterno, conservando ainda raízes e sementes. Folhas verdes e frutos maduros ainda se encontravam presos a seus ramos… Atualmente, o único representante de vegetação nas ilhas é um salgueiro que só cresce até 2,4m de altura”.
Igualmente indicativo da mudança cataclísmica que ocorreu no início do grande frio na Sibéria foi o alimento que os animais extintos estavam comendo quando morreram:

“Os mamutes morreram de repente, em meio a frio intenso e em grande número. A morte aconteceu tão rápida que a vegetação engolida não havia sido sequer digerida. (…) Folhas de relva, copos-de-leite, junça tenra e feijões silvestres foram encontrados, ainda identificáveis e intactos, na boca e estômago desses animais.”

Dispensa dizer que essa flora não cresce hoje em nenhum lugar da Sibéria. Sua presença nessa região no século XI a.C. obriga-nos a aceitar a hipótese de que a região tinha um clima ameno e produtivo – temperado ou mesmo quente. O motivo por que o fim da Era Glacial em outras partes do mundo deveria ter sido o início do inverno fatal nesse antigo paraíso é uma questão que deixaremos para responder na Parte VIII. O certo, porém, é que em alguma época entre os 12 a 13.000 anos no passado, uma temperatura abaixo do ponto de congelamento desceu com horrível rapidez sobre a Sibéria e nunca mais afrouxou seu domínio. Em um eco sobrenatural das tradições avésticas, uma terra que desfrutara antes sete meses de verão foi convertida, quase que da noite para o dia, em uma terra de gelo e neve, com dez meses de inverno inclemente e congelamento geral.

Mil vulcões Krakatoas, no Mesmo Instante

Numerosos mitos sobre cataclismos falam em frio terrível, céus escuros e chuva negra, causticante, betuminosa. Durante séculos, deve ter sido assim durante todo a área do arco da morte, que abrangeu trechos imensos da Sibéria, Yukon e Alasca. Nesses locais, “misturada nas profundezas da terra e, às vezes, com pilhas de ossos e grandes presas, são encontradas camadas de cinza vulcânica. Não há dúvida que, coincidindo com a extinção dos animais, houve erupções vulcânicas de tremendas proporções”.

Há um volume notável de prova de grande atividade vulcânica durante o declínio da calota polar Wisconsin. Muito ao sul das terras congeladas do Alasca, milhares de animais e plantas pré-históricos foram, de repente, ilhados nos famosos poços de breu La Brea, na área de Los Angeles. Entre as criaturas desenterradas foram encontrados bisões, cavalos, camelos, preguiças, mamutes, mastodontes e, pelo menos, setecentos tigres-de-dentes-de-sabre. Foi encontrado também um esqueleto humano desarticulado, inteiramente coberto de betume, juntamente com os ossos de uma espécie extinta de abutre. De modo geral, os restos de La Brea (“quebrados, esmagados, torcidos e misturados numa massa a mais heterogênea possível”) falam eloquentemente de um súbito e pavoroso cataclismo vulcânico.

Achados semelhantes de aves e mamíferos típicos da Era Glacial mais recente foram desencavados de asfalto em dois outros locais na Califórnia (Carpinteria e McKittrick). No San Pedro Valley, foram descobertos esqueletos de mastodontes ainda em pé, no meio de grandes montes de cinza vulcânica e areia. Fósseis do glacial lago Floristan, no Colorado, e da John Day Basin, no Oregon, foram também desenterrados de tumbas de cinza vulcânica. Embora as tremendas erupções que criaram essas sepulturas coletivas possam ter estado no auge durante os últimos dias da Wisconsin, parece que se repetiram durante grande parte da Idade de Gelo não só na América do Norte, mas nas Américas Central e do Sul, no Atlântico Norte, na Ásia continental e no Japão.

É difícil imaginar o que esse vulcanismo geral possa ter significado para indivíduos que viveram nesses tempos estranhos e terríveis. Mas os que lembram as nuvens de poeira, fumaça e cinzas em forma de couve-flor ejetadas na atmosfera superior pela erupção do monte Santa Helena em 1980 compreenderão que um grande número dessas explosões (ocorrendo em sequência, durante um longo período, em diferentes pontos em volta do globo) não só teria produzido efeitos locais devastadores, mas causado uma gravíssima deterioração do clima em todo o mundo.

O monte Santa Helena cuspiu um estimado quilômetro cúbico de rocha e isso foi café pequeno em comparação com o vulcanismo típico da Era Glacial. Uma impressão mais fiel do que aconteceu seria o vulcão Krakatoa, na Indonésia, que, em 1883, entrou em erupção com tal violência que matou mais de 36.000 pessoas, tendo o som da explosão sido ouvido a 4.600km de distância. Com epicentro no estreito de Sunda, tsunamis de 35 metros de altura varreram o mar de Java e o oceano Índico, jogando navios a vapor a quilômetros terra adentro e causando inundações a uma distância tão grande quanto a África Oriental e as costas ocidentais das Américas. Dezoito quilômetros cúbicos de rochas e quantidades imensas de cinzas e poeira foram lançados na atmosfera superior e o céu em volta do mundo tornou-se visivelmente mais escuro durante mais de dois anos, enquanto o pôr-do-sol ficava reconhecidamente mais vermelho.

Uma litografia da erupção violenta do vulcão Krakatoa em 1883.

As temperaturas médias globais caíram durante esse período, fato este confirmado por medições, porque as partículas vulcânicas de poeira refletiam os raios do sol de volta ao espaço. Durante os episódios de intenso vulcanismo que caracterizaram a Idade de Gelo, temos que imaginar não um só, mas muitos Krakatoas. O efeito combinado seria, no início, uma grande intensificação das condições glaciais, à medida que a luz do sol era cortada pelas nuvens de poeira fervente e temperaturas já baixas caíam ainda mais. Os vulcões injetaram ainda enormes volumes de dióxido de carbono na atmosfera. Como o dióxido de carbono é um dos chamados “gases do efeito estufa”, é razoável supor que, quando a poeira começou a assentar em períodos de calma relativa, teria ocorrido certo grau de aquecimento global. Numerosas autoridades atribuem os avanços e recuos repetidos dos grandes lençóis de gelo a essa interação tipo gangorra entre vulcanismo e o clima.

Inundação Global

Geólogos concordam em que, por volta do ano 8000 a.C., os grandes lençóis de gelo Wisconsin e Wurm haviam recuado. A Era Glacial tinha acabado. Não obstante, os sete mil anos transcorridos antes dessa data haviam presenciado turbulências climáticas e geológicas em uma escala quase inimaginável. Oscilando de cataclismo a desastre ecológico e de aflições a calamidades, as poucas tribos dispersas de seres humanos sobreviventes devem ter levado vidas de terror e confusão constantes: teria havido períodos de calma, quando poderiam ter esperado que o pior já houvesse passado.

Enquanto continuava o derretimento das geleiras gigantescas, contudo, esses períodos de tranquilidade teriam sido marcados repetidamente por violentas inundações. Além do mais, partes da crosta da terra até então sepultadas na astenosfera por bilhões de toneladas de gelo teriam sido liberadas pelo degelo e voltado a subir, às vezes rapidamente, produzindo terremotos devastadores e enchendo o ar de um som terrível. Algumas épocas foram muito piores do que outras. O grosso da extinção de animais ocorreu entre os anos 11000 a.C. e 9000 a.C., quando houve violentas e inexplicáveis variações climáticas. (Nas palavras do geólogo John Imbrie, “uma revolução climática ocorreu por volta de 11.000 anos atrás”.)

Houve também um grande aumento de taxas de sedimentação e um abrupto aumento de temperatura de 6 a 10 graus centígrados na superfície das águas do oceano Atlântico. Outro episódio turbulento, novamente acompanhado de extinção de animais em grande escala, ocorreu entre 15000 a.C. e 13000 a.C. Vimos no capítulo anterior que o Avanço Tazewell levou os lençóis de gelo à sua extensão máxima há cerca de 17.000 anos e que daí se seguiu um espetacular e prolongado derretimento, descongelando milhões de quilômetros quadrados na América do Norte e Europa em menos de dois mil anos.

Mas ocorreram algumas anomalias: toda a região ocidental do Alasca, o território do Yukon no Canadá, e a maior parte da Sibéria, incluindo as Novas Ilhas Siberianas (que hoje figuram entre os lugares mais frios do mundo), permaneceram intactas até que a Era Glacial aproximou-se do fim. Elas só adquiriram seu clima atual cerca de 12.000 anos atrás, aparentemente de forma muito brusca, quando mamutes e outros grandes mamíferos foram mortos congelados de repente. Em outras partes do mundo, a situação era diferente. A maior parte da Europa estava sepultada sob uma camada de gelo de 3 km de espessura. O mesmo acontecia com quase toda a América do Norte, onde o lençol de gelo havia se espalhado de centros nas proximidades da baía de Hudson (Canadá) para envolver toda a zona leste do Canadá, Nova Inglaterra e grande parte do Meio-Oeste até o paralelo 37 – bem ao sul de Cincinnati, no vale do Mississippi, e a mais da metade do caminho até o equador.

No seu auge há 17.000 anos, calcula-se que o volume total de gelo que cobria o hemisfério norte situava-se por volta de 4,5 milhões de metros cúbicos e, claro, houve extensas glaciações no hemisfério Sul, conforme notado também acima. Os suprimentos extras de água, dos quais esses numerosos lençóis de gelo eram formados, haviam sido fornecidos pelos mares e oceanos do mundo que, na ocasião, tinham um nível 120 metros mais baixo do que hoje. E foi nesse momento que o pêndulo do clima mudou violentamente para a direção oposta. O grande degelo começou com tanta rapidez e em uma área tão vasta que foi descrito como “um tipo de milagre”. Geólogos chamam-na de a fase da fervura do clima quente na Europa, e como “Interstadial Brady”, na América do Norte. Em ambas as regiões:

Uma calota glacial que talvez tenha levado 40.000 anos para se formar desapareceu, na maior parte, em 2.000 anos. Deve ser óbvio que isso não pode ter sido resultado de fatores climáticos que atuassem gradualmente, e que são em geral invocados para explicar as idades de gelo. (…) A rapidez do degelo sugere que algum fator extraordinário estava afetando o clima. As datas indicam que esse fator fez-se sentir inicialmente há 16.500 anos, que destruiu a maioria, talvez três quartos das geleiras uns 2.000 anos depois, e que [o grosso desses fenômenos dramáticos ocorreu] em um milênio ou menos.

Inevitavelmente, a primeira consequência foi uma elevação brusca dos níveis dos mares, chegando talvez a uns 100 metros. Ilhas e pontes continentais desapareceram e vastas extensões de linha costeira continental baixa ficaram submersas. De vez em quando, grandes maremotos surgiam para engolfar também terras mais altas. Recuaram depois, mas, nesse processo, deixaram traços inconfundíveis de sua presença. Nos Estados Unidos, “aspectos marinhos da Era Glacial estão presentes ao longo da costa do golfo, a leste do rio Mississippi, alguns em altitudes que podem exceder 60 metros”.

Em pântanos que cobrem depósitos glaciais em Michigan foram descobertos os esqueletos de duas baleias. Na Geórgia, depósitos marinhos são encontrados a uma altura de 60m. No Texas, bem ao sul do prolongamento mais meridional da Glaciação Wisconsin, os restos de mamíferos terrestres da Era Glacial são encontrados em depósitos marinhos. Outro depósito marinho, contendo leões-marinhos, focas e pelo menos cinco gêneros de baleias, cobre a costa dos estados do nordeste e da costa do Ártico do Canadá. Em numerosas áreas ao longo da costa do Pacífico da América do Norte, depósitos marinhos da Idade de Gelo “estendem-se por mais de 320 km terra adentro”.

Ossos de uma baleia foram encontrados ao norte do lago Ontário, a cerca de 130m acima do nível do mar e, outro, em Vermont, a mais de 150m, bem como um terceiro na área Montreal-Quebec, a mais de 180m de altura. Mitos sobre o dilúvio em todo o mundo descrevem, típica e repetidamente, cenas em que seres humanos e animais fogem das águas que sobem e se refugiam no topo de montanhas. O registro fóssil confirma que esse fato realmente aconteceu durante o derretimento dos lençóis de gelo e que as montanhas nem sempre eram altas o suficiente para salvar da morte os refugiados.


Fissuras nas rochas no topo de colinas isoladas no centro da França, por exemplo, estão cheias do que é conhecido como “brechas ossíferas”, que consistem de ossos partidos de mamutes, rinocerontes lanudos e outros animais. O pico de 435 m de altura do monte Genay, na Borgonha (França-Burgundy), “tem uma brecha que contém restos de mamute, rena, cavalo e outros animais”. Bem ao sul, o mesmo acontece com a Rocha de Gibraltar, onde um “molar humano e algumas peças de sílex trabalhadas pelo homem paleolítico foram descobertas entre ossos de animais”. Restos de hipopótamos, juntamente com ossos de mamutes, rinocerontes, cavalos, ursos, bisões, lobos e leões foram encontrados na Inglaterra, nas vizinhanças de Plymouth, à margem do canal da Mancha. As colinas em volta de Palermo, na Sicília, revelaram uma “quantidade extraordinária de ossos de hipopótamos – em hecatombes completas”. Com base nessa e em outras provas, Joseph Prestwich, ex-professor de geologia na Universidade de Oxford, concluiu que a Europa Central, a Inglaterra e as ilhas da Córsega, Sardenha e Sicília ficaram submersas em várias ocasiões durante o rápido derretimento dos lençóis de gelo:

Os animais naturalmente se retiraram cada vez mais, à medida que as águas avançavam, cada vez mais profundamente para as colinas, até que ficaram ilhados. (…) Aglomeraram-se juntos em enormes multidões, atropelando-se para entrar nas cavernas mais acessíveis, até que foram alcançados pelas águas e destruídos. (…) Rocha miúda e grandes blocos das encostas das colinas foram jogados para baixo pela força das águas, partindo e esmagando ossos. (…)

Algumas comunidades de homens primitivos devem ter sofrido nessa catástrofe geral. É provável que inundações calamitosas desse tipo tenham ocorrido na China, mais ou menos na mesma época. Em cavernas nas proximidades de Pequim, ossos de mamutes e búfalos foram encontrados juntos com restos de esqueletos humanos. Numerosas autoridades atribuem a mistura, que aparentemente ocorreu de forma violenta, de carcaças de mamutes com árvores lascadas e partidas na Sibéria a “um grande maremoto, que arrancou florestas e sepultou a emaranhada carnificina em um dilúvio de lama. Na região polar, esse material congelou, endureceu e preservou a prova em gelo eterno até o presente”.

Em toda a América do Sul, igualmente, fósseis da Idade de Gelo foram desencavados, “entre os quais tipos incongruentes de animais (carnívoros e herbívoros) aparecem misturados promiscuamente com ossos humanos. Não menos importante é a associação, em áreas realmente vastas, de criaturas fossilizadas de terra e mar, sem nenhuma ordem, mas ainda assim sepultadas no mesmo horizonte geológico”. A América do Norte foi também duramente castigada por inundações. Ao derreterem, os grandes lençóis de gelo do período Wisconsin formaram imensos (embora temporários) lagos, que se encheram com incrível rapidez, afogando tudo em seu caminho, e sendo em seguida esvaziados em algumas centenas de anos. O lago Agassiz, por exemplo, o maior lago glacial no Novo Mundo, ocupou outrora uma área de trinta mil quilômetros quadrados, cobrindo grandes áreas do que são hoje Manitoba, Ontário e Saskatchewan, no Canadá, e Dakota do Norte e Minnesota, nos Estados Unidos. Curiosamente, esse lago durou menos de um milênio, o que indica um episódio catastrófico e súbito de derretimento e inundação, seguido de um período de calma.

Um Símbolo de Boa Fé

Durante muito tempo, acreditou-se que seres humanos só chegaram ao Novo Mundo há cerca de 11.000 anos. Descobertas recentes, porém, empurraram cada vez mais para trás esse horizonte. Implementos de pedra datando do ano 25000 a.C. foram identificados por pesquisadores canadenses na Old Crow Basin, no território do Yukon, no Alasca. Na América do Sul (tão ao sul como o Peru e Terra do Fogo), foram encontrados restos humanos e artefatos seguramente datados como do ano 12.000 a.C. – bem como outro grupo com datas de 19000 e 23000 a.C. Levadas em conta essas e outras provas, “uma conclusão muito razoável sobre o povoamento das Américas é que o processo começou há pelo menos 35.000 anos, embora possa ter também incluído ondas de imigrantes em datas posteriores”.

Esses novos americanos da Idade de Gelo, chegando da Sibéria em pequenos grupos através da ponte continental de Bering, teriam enfrentado as condições mais pavorosas entre os anos 17000 e 10000 a.C. Foi nessa ocasião que as geleiras Wisconsin, todas elas no mesmo instante, iniciaram o violento derretimento, forçando um aumento de uns 100 metros nos níveis globais do mar, em meio a cenas de turbulência climática e geológica sem precedentes. Durante sete mil anos de experiência humana, terremotos, erupções vulcânicas e inundações gigantescas, alternados com surpreendentes períodos de tranquilidade, devem ter dominado o dia-a-dia dos homens do Novo Mundo. Talvez seja por isso que tantos de seus mitos falem com tanta convicção de fogo e inundações, tempos de escuridão e de criação e destruição de sóis. Além do mais, conforme vimos, os mitos do Novo Mundo não estão, neste particular, isolados daqueles do Velho Mundo. Em todo o globo, uma uniformidade notável é encontrada no tocante a questões como o “grande dilúvio”, o “grande frio” e “o tempo do grande levantamento da superfície da terra”.

Não acontece apenas que as mesmas experiências estejam sendo recontadas uma vez após outra, o que, por si mesmas, seriam inteiramente compreensíveis, já que a Idade de Gelo e seus efeitos posteriores foram fenômenos globais. Muito mais curiosa é a maneira como os mesmos motivos simbólicos continuaram a repetir-se: o homem bom e sua família, “o aviso dado por um deus”, o salvamento das sementes de todas as coisas vivas, o barco que permitiu a sobrevivência, os espaços fechados contra o frio, o tronco de uma árvore, onde os progenitores da humanidade futura se esconderam, as aves e outras criaturas soltas após o dilúvio para encontrar terra… e assim por diante.

Não é também estranho que tantos mitos contenham descrições de figuras como Quetzalcoatl e Viracocha, que dizem que chegaram no tempo das trevas, depois do dilúvio, para ensinar arquitetura, astronomia, ciência e o império da lei a tribos dispersas e desmoralizadas de sobreviventes? Quem foram esses heróis civilizadores? Foram criações da imaginação primitiva? Ou deuses? Ou homens? Se foram homens, poderiam ter eles manipulado os mitos de alguma maneira, transformando-os em veículos para transportar conhecimentos através dos tempos? Essas ideias parecem fantasiosas. Mas, como veremos na Parte V, dados astronômicos de uma natureza perturbadoramente exata e científica reaparecem continuamente em certos mitos, tão antigos no tempo e tão universais em sua distribuição como os do grande dilúvio. De onde teria vindo todo esse conteúdo científico?

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