sexta-feira, 28 de junho de 2019

ATLÂNTIDA - UM HABITANTE DE DOIS PLANETAS (16) - A VIAGEM A SUERM (ATUAL ÍNDIA)


Atlântida: Um Habitante de Dois Planetas (16) – A Viagem a Suern (atual Índia)
Posted by Thoth3126 on 28/06/2019

ATLÂNTIDA, A RAINHA das ONDAS dos OCEANOS 

“O propósito desta história é relatar o que conheci pela experiência, e não me cabe expor ideias teóricas. Se levares alguns pontos pequenos deixados sem explicação para o santuário interior de tua alma, e ali neles meditares, verás que se tornarão claros para ti, como a água que mitiga a tua sede. . . 
“Este é o espírito com que o autor (Philos, o Tibetano) propõe que seja lido este livro. E chama de história o relato que faz de sua experiência. Que é história?. . . Ao leitor a decisão.
“Nunca pronuncies estas palavras: “isto eu desconheço, portanto é falso“. Devemos estudar para conhecer; conhecer para compreender; compreender para julgar“. – Aforismo de Narada.
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
ATLÂNTIDA, A RAINHA das ONDAS dos OCEANOS 

Livro: “Um Habitante de Dois Planetas”, de Philos, o Tibetano – Livro Primeiro, CAPÍTULO 16 – A VIAGEM A SUERN (ÍNDIA)

Diante de nós estendia-se uma viagem de recreio que nos levaria por muitos milhares de milhas. Diminuímos a velocidade quando a nave estava acima da base da imensa Pitach Rhok, a poderosa e explosiva montanha, e subimos um pouco para ficarmos na altura de seu mais elevado pico. Chegando lá, todos quiseram parar no topo da mesma. Assim, afundamos os pés na neve do pitach, o que foi feito principalmente para agradar Anzimee, que achava o local muito interessante por causa do que tinha acontecido comigo ali. Logo embarcamos de novo no vailx, descendo daquela grande altitude para termos uma visão melhor da região montanhosa e densamente povoada entre Pitach Rhok e Poseid ocidental.

Vulcão no Pitak Rhok em erupção com Zailm em seu cume.

Quando se aproximava o pôr do sol, um ruído abafado invadiu nossos ouvidos – logo vimos a longa praia branca do velho oceano, brilhando lá embaixo por um momento antes de ficar para trás; depois disso, à luz que se apagava aos poucos, só víamos a água cor de chumbo abaixo, atrás, na frente e dos lados, sem nenhuma terra à vista, pois esta ficava a mais de mil milhas a leste, no país de Necropan (n.t. Na África, o hoje Egito). Sem utilizarmos a velocidade máxima, só chegaríamos lá depois de duas ou três horas. Como estaria escuro quando chegássemos, resolvemos diminuir a velocidade para cento e cinquenta milhas por hora, fechamos o convés e nos reunimos no salão, iluminado por lâmpadas incandescentes. 

Qualquer viagem de vailx era menos monótona que nos mais rápidos transatlânticos de hoje (final do século XIX, quando foi escrito o livro). A variedade das paisagens, a amplidão da vista que variava segundo a altitude que escolhíamos, o frio exterior esquecido pelos passageiros bem acomodados no salão aquecido por meios provindos de Navaz, e arejados com ar de densidade apropriada pelas mesmas forças do Lado-Noite (a polaridade FEMININA, principio da fusão), tudo isso tendia a evitar o tédio. O deslocamento rápido mudava as coisas da superfície com tanta celeridade que se alguém olhasse para trás só veria uma paisagem se dissolvendo. As correntes do Lado-Noite também permitiam a mesma velocidade da rotação diurna da Terra, ou seja, supondo que estivéssemos a uma altitude de dez milhas, na hora do meridiano, poderíamos permanecer indefinidamente parados, enquanto a Terra girava lá embaixo a mais ou menos dezessete milhas (27, 35 km) por minuto.

Os controles podiam ser revertidos e nosso vailx podia se deslocar daquela posição no meridiano em relação à superfície embaixo com a mesma assustadora velocidade, assustadora para quem não estivesse acostumado a ela, como é o caso de meu leitor; um dia, como espero, o vailx será redescoberto. Aliás, esse dia não tardará muito a chegar. Embora tivéssemos esses recursos contra o tédio, não nos faltavam outros meios mais usuais de diversão. Tínhamos nosso naim (espécie de videofone), em cujos espelhos e vibradores nossos amigos, por mais distantes que estivessem, podiam aparecer com sua imagem de tamanho natural e volume normal de voz. O salão do grande vailx de passageiros tinha uma biblioteca, instrumentos musicais e plantas em vasos entre as quais aves parecidas com o moderno canário doméstico voejavam. 

Mais ou menos na décima hora foi reportado que voávamos sobre Necropan (Egito) e, diante dessa informação, surpreendente porque a velocidade que eu havia determinado deveria nos fazer chegar umas seis horas mais tarde naquele país, perguntei ao piloto a razão de ter voado a uma velocidade maior, contrariando minhas ordens. Não me foi dada uma resposta convincente e por isso repreendi severamente o piloto, ordenando que aterrissasse, a fim de que pudéssemos viajar de dia para a Terra Estéril, como pode ser traduzido o nosso termo Sattamund, referente ao deserto do Sahara de hoje. Alguns passageiros nunca tinham visto aquele deserto e, para que tivessem esse privilégio, resolvemos passar a noite numa elevação que nos protegeria das influências maláricas, pois estávamos próximos de onde se encontra hoje a Libéria. 

“A nobre ave – o condor dos Andes, que pode navegar na insondável imensidão do céu, ou enfrentar a fúria do furacão filho do Norte, e banha sua plumagem na casa do Trovão, abre as poderosas asas à luz do ocaso e mergulha para o repouso em seu rochedo na montanha.” 

Embora a chamássemos Sattamund ou Terra Estéril, não era uma região tão árida quanto é agora. A água não era tão abundante como em Poseid, mas havia dela o suficiente para permitir o crescimento de muitas árvores tropicais das mais resistentes e para esconder a nudez dos morros e colinas daquele antigo leito oceânico. Havia inclusive alguns lagos salgados por ali, amplos e azuis, ao redor dos quais se concentrava a população. Mas a mesma terrível catástrofe que destruiu Poseid mais tarde também se abateu sobre Necropan – e a beleza de suas matas desapareceu porque as mudanças geológicas afastaram toda a água da superfície, escondendo-a tão bem que só os poços artesianos conseguiriam alcançá-la. A mesma desgraça fendeu as rochas muitas e muitas vezes na Incalia do Sul, e hoje existem naquelas áridas partes os mais fantásticos cenários, tão extraordinários que está além do poder de minha pena descrevê-los.


Lá corre o Rio Gila, o Colorado e o Colorado Chiquita. Pretendo deixar de reserva essa descrição, que será feita com a linguagem de um outro; e tu e eu, meu amigo, teremos o prazer de apreciar juntos um maravilhoso quadro pintado com palavras. Em Poseid e Suern (atual ÍNDIA), e onde quer que a civilização estendesse seu domínio, havia uma lei universal segundo a qual era uma alegria para a humanidade obedecer o mandato celeste que a harmonia geral com o espírito da vida solar nos ensinara: o de plantar, ao invés de descuidadamente atirar fora, as sementes de belas flores e bons frutos, para criar sombra, alimento, beleza e utilidade em todo ponto favorável que se oferecesse à vista, em locais povoados ou em ermos nunca vistos antes por olhos humanos.

Tanto é que, em viagens como a que meu grupo estava fazendo, era uma coisa religiosa levar uma boa quantidade de sementes e jogá-las do vailx ao anoitecer como oferenda a Incal, no momento em que o Seu símbolo sublime se punha no Oeste, e porque o orvalho da noite propiciaria a germinação; essa cerimônia também era considerada um reconhecimento à deusa do Crescimento, Zania. Dessa forma, os ermos floriram como rosas e hoje o mundo é herdeiro do produto daquelas sementes – os cereais silvestres, o trigo para cuja origem engenhosas mas insuficientes teorias foram apresentadas e a variedade de palmeiras que tornam os trópicos famosos pela dádiva de suas tâmaras e cocos, e outros gêneros de Chamaerops.

Isso tudo aconteceu porque homens, mulheres e crianças se deleitavam, naqueles antigos tempos, em “plantar sementes à beira do caminho”. Ide e fazei a mesma coisa, para que os locais desertos se tornem para sempre reinos de beleza e sejam uma alegria para os olhos. Loas aos Dias da Árvore, que cumprem a injunção de Cristo: certamente eles voltarão e serão muitos. Uma pequena bolsa pode conter muitas sementes e, embora a sorte de todas elas não possa ser conhecida por nós, o Pai disse: “Elas darão frutos conforme sua espécie”. 

A TEMPESTADE

A manhã seguinte surgiu clara e sem nuvens, tão deliciosa que fizemos pouco progresso, movendo-nos lentamente para que o convés pudesse permanecer descoberto e todos usufruíssem do ar fresco e da revigorante luz do Sol. Com nossas poderosas lunetas, vimos lá embaixo, a umas duas milhas, várias formas de vida humana, vegetal e animal; sons chegavam até os nossos ouvidos num tom monocórdio e sonolento, acompanhando o voo do vailx. A tardinha o vento começou a soprar, tornando desagradável permanecer em baixa altitude. Os controles apropriados foram acionados e logo estávamos tão alto que nos vimos envolvidos por cirros, nuvens de granizo mantidas lá em cima pela força do vento, que seria perigoso caso nossa nave fosse movida por hélices, asas ou algum tipo de combustível.

Entretanto, como sua energia de propulsão, repulsão e levitação provinha do Lado-Noite ou, na maneira de falar dos poseidanos, de Navaz, nossas longilíneas naves não temiam qualquer tempestade por mais violenta que fosse. Como as janelas tinham ficado cobertas de gelo e impediam a visão do exterior, voltamo-nos para os livros, para a música e a conversa entre nós e também com os nossos amigos da distante Poseid, através do naim. Murus (o Vento Norte) não tinha poder sobre as correntes de Navaz. A noite ainda não estava muito avançada quando alguém sugeriu que a tempestade deveria estar mais violenta e o vento mais enlouquecido perto da terra; os repulsores foram ajustados num determinado grau, fazendo uma aproximação maior do que seria desejável, simulando uma ocorrência acidental.


Poderíamos, se a maioria concordasse, tirar partido do nosso privilégio e gozar a sensação de penetrar no meio da tormenta, em segurança e na velocidade máxima. “E enfrentar a fúria do furacão do Norte.” A relativa novidade poderia nos ajudar a dormir melhor quando nos recolhêssemos às nossas cabinas. Aprovei o plano, ordenando ao piloto que descesse para dois mil e quinhentos pés. Mergulhamos. As luzes foram diminuídas para produzir uma obscuridade parcial, a fim de apreciarmos melhor a fúria da tempestade. Sentamo-nos perto das janelas, de onde podíamos ouvi-la, pois nossos olhos não podiam ver o que ocorria lá fora onde a escuridão era total; aos nossos ouvidos, as violentas bátegas de chuva contra o metal se faziam clara e excitantemente presentes.

O vento uivava e gritava como um exército de demônios nas agudas pontas da proa e da popa do Vailx. Em certos momentos, quando nossa espaçonave era golpeada de lado por uma rajada, estremecia um pouco mas não perdia a rota, parecendo estar dotado da determinação de uma coisa viva. Embora não fosse totalmente inédita, a experiência foi excitante, por nos lembrar do poder do homem sobre a matéria e por nos mostrar o poder de Deus – Incal para nós, mestre de todas as coisas e seres – e lembrar que por Seu intermédio tínhamos autoridade sobre os elementos. Quando a sensação se tornou monótona, a iluminação foi normalizada e voltamos aos livros, aos jogos, à música, depois de retornarmos às regiões superiores da atmosfera, que estavam bem mais calmas do que lá embaixo. 

Anzimee e uma amiga estavam separadas dos demais, numa alcova formada por trepadeiras floridas, num canto do grande salão. Algum tempo depois ela veio até onde eu estava e, tocando meu ombro, disse com ar pensativo: “Zailm, sabes cantar; dar-me-ias prazer se pegasses tua flauta e viesses até onde Thirtil e eu estamos, e cantasses para nós.” Ela se curvou para mim, enrubescendo um pouco, com um ar tão encantador que simplesmente fiquei olhando em silêncio para ela, embevecido com sua beleza. “E então, Zailm, farás minha vontade?” Pus-me de pé imediatamente quando percebi uma sombra de desapontamento passar por seu rosto, pois ela tinha interpretado meu silêncio como falta de vontade em atendê-la, e disse: “Decerto, Anzimee, ficarei feliz em te fazer a vontade, mas como poderia eu mover-me?” 

Sem de nada suspeitar, ela perguntou: “Mover-te? E o que te impede?” “Já viste alguma vez um brilhante colibri que, pousado numa flor perto de ti, te fizeste ficar imóvel, prendendo a respiração, temendo que ele fugisse? Pois é assim que temo me mexer, com medo que. . . ” Vamos, vamos! Se eu não estivesse acostumada a ler as emoções dos outros em seus olhos, diria que és um lisonjeador pouco imaginativo. Vem.” “E o que devo cantar, doce amiga?” – perguntei a Thirtil, uma discreta e amável jovem, de temperamento entre sério e frívolo. “Qualquer coisa, qualquer coisa” – respondeu ela com um olhar malicioso para Anzimee -“que venha do teu coração!” Anzimee corou mas não deu qualquer outro sinal de confusão, baixando os longos cílios quando olhei para ela dizendo: “Verdade? Pois então cantarei esta música (que por sinal estava muito em voga): 
“Quando o coração conhece seu gêmeo, Quando as dúvidas da vida se vão, O amor se eleva em nossas almas Até as alturas das praias do céu. Sim, e vão buscar o amor Em outro lugar que não esse; O verdadeiro amor sempre é triste Quando nos afastamos da pureza. Que possamos estar longe da dor. E  com belos versos entronizar A bênção de Incal em nossa vida;Com Sua paz o amor sempre une,E a canção é música divina
Quando nasce na alma;
Unamos nossas almas em doce noivado,
Pelos séculos que virão.
Agora, nossos corações são jovens e felizes
Buscando mais belos ramos
Onde florirá a cada dia
Toda a beleza das flores.
E uma, única entre todas,
Só desabrocha para mim.
Vem do solo profundo de meu peito,
Onde suas raízes encontram
Seu lar e seu conforto.
Devo colhê-la em plena floração,
pronta que está para a mão do jardineiro?
Posso eu levar sempre comigo
O que para mim não é um sonho?
Sim, amada, nos deleitaremos
Com sua bênção para sempre,
Ouvindo a doce voz
Que unidos adoramos.”

Era assim no vailx, música e alegria; lá fora rugia a tempestade, como se tentasse nos engolir. Nas garras da furiosa tormenta estava mergulhada nossa longilínea nave, sem dar qualquer sinal para o exterior (se ali houvesse alguém para ver) da luz, do calor, do riso e da música das pessoas e aves abrigadas em seu bojo, entre as flores que formavam uma pequena ilha tropical, a salvo da ira do vento. Não, nenhum sinal além do brilho avermelhado das luzes na frente e na cauda. Quando todos se recolheram, permaneci no salão vazio até ouvir o aviso de que estávamos sobre Suern. Não podíamos aterrissar com a tempestade bramindo a oitenta milhas por hora, pois tal tentativa faria a nave em pedaços no instante em que tocasse o solo. 

Para ficarmos fora do alcance da influência do mau tempo, dei ordens para subirmos acima do nível de perturbação atmosférica, para uma região próxima que estivesse calma, e para que os controles fossem desligados, interrompendo nossa propulsão. Recebida a ordem, o piloto aumentou a força de repulsão por meio de suas alavancas graduadoras e subimos para as nuvens, acima do ímpeto do furacão, chegando a uma atmosfera clara e intensamente fria a quase treze milhas acima da superfície. Se tivéssemos uma visão desobstruída de nuvens, veríamos daquela altura um horizonte de trezentas e cinqüenta milhas. Logo depois de dar minhas instruções, fui para a cama. Com a chegada do dia, vi que a tempestade não se amainara, ocasionais rajadas de vento acima de nós provaram que a área da tempestade, lá embaixo, devia ser muito extensa.

O sagrado rio Ganges, em Varanasi, na atual Índia (Suern).

O frio lá fora era tão intenso que não se podia pensar em abrir o convés por um instante que fosse; o céu estava quase negro, de tão profundo que era o seu azul; o Sol, destituído da maior parte de seu brilho, parecia estranhamente mortiço, deixando entrever as estrelas. O movimento constante dos dispensadores de ar, com suas engrenagens e pistões trabalhando para manter o ar interno numa pressão normal podia ser claramente percebido no ominoso silêncio, enquanto que os pequenos escapamentos de ar pelas pequeninas fendas em volta das janelas e da entrada do convés faziam tanto ruído que mandei apertar os parafusos e abrir os tubos de ventilação. Se o gelo não tivesse diminuido a visão pelas janelas e, junto com as nuvens, não tivesse tornado impossível ver a superfície da terra, algo peculiar teria se apresentado aos nossos olhos.

A visão do grande horizonte teria dado a ilusão de uma perfeita união entre terra e céu, quase ao nosso nível; diretamente abaixo, o globo sólido teria parecido não uma esfera mas uma imensa tigela com paisagens em seu interior. Como nada podíamos ver, nossas cantigas, leituras e conversas continuaram, enquanto os tímidos raios de Incal, entrando pelas vidraças cobertas de geada, suplementavam o calor e o ar que nosso conhecimento fabricava para podermos desafiar o frio, a rarefação do ar e a gravidade – o conhecimento de Navaz. Em Poseid não havia tempestade, embora Menax nos avisasse pelo naim que a meteorologia previra sua chegada para breve. Esperamos até que o Sol se pusesse no oeste e voltasse a surgir no leste duas vezes.

Várias vezes a Saldu Lolix apareceu no salão por meio do naim; ela parecia tão real no espelho como se não houvesse entre nós uma distância que representava quase um terço do globo terrestre. Só uma vez ela falou comigo, num murmúrio, num momento em que eu estava sozinho perto do naim. “Quando, meu senhor, voltarás para casa? Um mês? É muito, muito tempo!” Um relatório sobre os mínimos acontecimentos em nossa nave era fornecido à agência de notícias e gravado em discos dos vo-calígrafos públicos e, muito antes de pousarmos no solo de Suem nossos compatriotas sabiam de nossa suspensão forçada entre a céu e a terra, enquanto aguardávamos a tempestade amainar.

Falar em vocalígrafo me leva a observar que nossa superestrutura social em Poseid tinha por base leis equitativas baixadas pelo grande Rai do tempo do Maxin e moldadas pela igreja e pela escola, expressas por milhões de vocalígrafos que interligavam os lares que, agregados, formavam a nação. Finalmente a grande tormenta afastou-se e chegou o momento de nossa aterrissagem. Descemos do céu em direção a Ganje, capital de Suern. Já estiveste alguma vez na antiga e há muito deserta cidade de Petrade Seir, a peculiar povoação ao pé do Monte Hor, cavada na rocha viva? (situada na Jordânia). Provavelmente não, pois os seguidores de Maomé dificultavam muito as visitas a esse lugar.

Petra-Al-Khazneh

Mas se leste a seu respeito, então terás uma ideia sobre Ganje na antiga Suern, construída nas margens escarpadas do rio. Os detalhes de nossa recepção são demasiado triviais para merecerem a inclusão neste relato. Será suficiente dizer que foi adequada às relações internacionais amigáveis entre Suern e Poseid e à minha posição e importância como enviado especial. O Rai Ernon se mostrou menos interessado no vaso e nos outros presentes de ouro e pedras preciosas do que nas Saldani cativas que tinham relação com essas dádivas, particularmente Lolix e Rainu.

Fiquei surpreso diante do íntimo conhecimento que o monarca de Suern demonstrou possuir sobre o assunto e seus detalhes, sobre minha doença e outros incidentes que não eram do conhecimento público; mas não traí essa surpresa que foi passageira e logo desapareceu quando lembrei dos maravilhosos poderes ocultos de Ernon. Falando das Saldani, especialmente Lolix, ele disse: 

“Não mandei as Saldéias para Gwauxln como objetos de prazer, nem como uma forma de punição, para que no exílio elas pudessem pagar a Suern pelos erros de seus pais, filhos, irmãos ou maridos contra os Suernis. Não, sem dúvida elas não podiam ser mais censuradas do que um tigre dotado de uma natureza igualmente destrutiva; mas, pelas leis de Deus, julgamos que a ignorância da lei não isenta do castigo quem fez o mal. A lei diz: “Não pecarás”. E a penalidade acompanha inexoravelmente a lei, que é aplicada sem exceções à desobediência. A lei, portanto, não me parece retributiva mas educativa. Tendo experimentado a punição, nenhum ser, homem ou animal, sente o desejo de repetir o erro por curiosidade. A natureza não atenua qualquer punição, dizendo: “Quando tiveres aprendido, teu castigo será menos severo”.

Se um bebê caísse de uma escarpa morreria, embora sua inocência nada soubesse a respeito do pecado, e o mesmo aconteceria ao homem bem informado que escolhesse a mesma ação deliberadamente. Quanto às mulheres saldeias, elas precisavam aprender que a conquista, o derramamento de sangue e o saque são coisas pecaminosas. A nação Saldeia também pedia uma lição e a recebeu, com a morte de seus melhores soldados. Mas esses exemplos requerem polimento. Um diamante bruto sem dúvida é um diamante, mas como a lapidação aumenta sua beleza e seu valor! Não libertar aquelas mulheres foi para a Saldéia o que a lapidação é para uma pedra preciosa. Não concordas comigo?”

“Certamente, Rai Ernon” – respondi. Permanecemos na capital por vários dias e, durante nossa estadia, fomos acompanhados pelo próprio Rai Ernon. Os Suernis eram um estranho povo. Os mais velhos pareciam nunca sorrir, não porque estivessem mergulhados nos estudos ocultos, mas porque se encontravam tomados pela ira (n.t. Momento crucial na batalha de todo o indivíduo contra si mesmo quando em determinado estágio de sua evolução espiritual). Em cada rosto parecia ter pousado a expressão de uma ira perpétua. Por que era assim? -perguntei a mim mesmo. Seria resultado das habilidades mágicas que eles possuíam? Por meios que para nós poseidanos pareciam um mero fiat da vontade, aquela gente parecia transcender os poderes humanos e anular os poderes da natureza, embora não se pudesse dizer que Incal não lhes tinha imposto limites, como o fizera com nossos químicos e físicos.

Vishnu, o mantenedor da criação de Brahma.

Os Suernis nunca erguiam as mãos para fazer um trabalho comum. Sentavam à mesa do desjejum ou do almoço sem tê-la posto ou preparado uma refeição; baixavam a cabeça em atitude de pedido e depois, levantando os olhos, começavam a comer o que surgia misteriosamente diante deles – deliciosas viandas, nozes, todos os tipos de frutas, verduras e legumes suculentos e saborosos! Não comiam carne e bem poucas coisas que não viessem diretamente de sua fonte, contendo em si mesmas o germe da vida. Tê-los-ia Incal dispensado de Seu comando de Criador do mundo, segundo o qual todos os homens devem sofrer e “ganhar o pão com o suor de seu rosto?”

Esse comando é com certeza menos oneroso para os que palmilham Seus caminhos, e até para os que só o palmilham parcialmente e cuja regra de vida é a continência e abstinência. Os habitantes de Suern eram mais poderosos, possuindo poderes ocultos que nenhum comedor de carne pode ter a esperança de alcançar, mas concluí que não deviam estar totalmente isentos, devia ser de algum modo árduo realizar feitos mágicos como os que descrevi. Não se pode obter alguma coisa a troco de nada. Aqueles homens olhavam para os inimigos que vinham ameaçá-los em suas casas e os reduziam a nada! 

“Passou por sobre o campo de batalha
Onde espada, lança e escudo
Brilhavam à luz do meio-dia
E a força das cerradas hostes vacilou,
E o capim verdejante,
Nutrido pelo sangue do massacre,
Ondula por sobre desfeitos
E pulverizados ossos.”

Qual poseidano podia fazer tais coisas? O Rai Gwauxln, o Incaliz Mainin e nenhum outro, pelo menos nenhum que fosse conhecido do público, ainda que só de nome. Nenhum atlante tinha testemunhado tantas provas do poder deles como eu. Nisso fui mais favorecido que todos. Em nossas visitas dentro e fora da capital, uma coisa lançou uma sombra sobre mim: o povo não amava Ernon, embora o respeitasse e temesse o seu poder. Pela conversa do Rai, ficou claro que ele sabia que eu percebera essa antipatia.

“Nosso povo é peculiar, príncipe” – disse-me ele. “Durante muitos anos, na verdade muitos séculos, seus governantes em Suern vieram do seio dos Filhos da Solitude. Todos eles se esforçaram para treinar seus súditos, preparando as futuras gerações para a iniciação nos mistérios do Lado-Noite da Natureza, com mais profundidade do que teu povo de Poseid poderia sonhar. Para esse propósito, insistiram em impor códigos morais como coadjuvantes da instrução em magia operativa. Mas esses esforços nunca produziram o resultado desejado: só uns poucos indivíduos cresceram e progrediram nesse campo e logo se afastaram do povo menos dedicado e fugiram para as solitudes, a fim de se tornarem os “Filhos” dos quais já ouviste falar; genericamente, chamamos “filhos” esses estudantes, mas deveríamos dizer “filhos” e “filhas”, porque o sexo não é empecilho para o estudo do oculto”. 

Há muito tempo eu desejava aprender tudo o que pudesse sobre esse grupo de estudantes da natureza ou Incalenes, como às vezes eram chamados. Incalene é uma palavra derivada de Incal (Deus) e “ene” (estudo). Milhares de anos mais tarde, no tempo de Jesus de Nazaré, eles foram chamados “Essênios”. Entretanto a Atlântida, que possuía uma riquíssima literatura, não tinha livros sobre esse assunto, com uma única exceção: um volume escrito em idioma poseidano antigo, contendo poucos detalhes. Sua leitura, a despeito disso, tinha me interessado muito. Ao ouvir o Rai Ernon, meu interesse voltou a despertar e pensei que um dia poderia candidatar-me à admissão nessa ordem se. . .


Mas “se” abrangia muitas coisas. Por exemplo, se esse estudo tornava a alma dos estudantes tão colérica quanto parecia ser a alma dos Suernis, então eu não queria saber dele. Contudo, a semente tinha sido plantada e cresceu um pouco quando eu soube que aquele estado emocional de ira não era devida ao estudo oculto, a não ser no sentido de que a natureza (o EGO humano) inferior se rebela contra (a perda do controle da vida do estudante) a pureza do estudo e revolve o lado da cólera, turvando as claras águas da alma. A semente cresceu um pouco mais quando o Rai observou, mais tarde, que “a jovem Anzimee poderá um dia ser uma Incalenu”. O meu crescimento de que falo, entretanto, não foi muito grande naquela distante época; ficou de reserva para uma vida futura. Dezenas de séculos se escoariam até chegar o momento presente! O Rai Ernon continuou:

“Vós, poseidanos, conheceis um pouco do Lado-Noite e eis que com isso dominais forças que abrem as profundidades do mar e da atmosfera e submeteis a terra. Isso está muito bem, mas requereis aparatos físicos (tecnologia) sem os quais não tendes poder. Os verdadeiramente versados em sabedoria oculta não precisam disso, sendo esta a diferença (FUNDAMENTAL) entre Poseid e Suern. A mente humana é um elo entre a alma e o físico. Toda força superior controla as que lhe são inferiores. A mente opera através da força ódica, mais veloz que qualquer outra de natureza física; por isso controla toda a natureza e dispensa aparelhos”. 

“Pois bem, eu e meus irmãos, os “Filhos da Solitude” que vieram antes de mim, tentamos ensinar aos Suernis as leis que regem a operação dessa energia. Por esse conhecimento Deus concede força a Seus filhos. Em conjunção com esse conhecimento existem atos físicos, poderes que vêm logo no início do estudo. Meu povo atingiu essa etapa mas não foi adiante.” 

“A moralidade traz serenidade à alma; por isso é vantajoso para o Incalene ser moral acima de tudo. Entretanto o homem é um animal em seu ser corpóreo e as paixões do corpo são agradáveis. O amor tem uma dupla natureza: o amor de Deus e do Espírito, puro e sem mácula, e o amor do sexo que também pode ser puro se o homem souber dominar o animal que há nele, pois do contrário se torna luxúria e leva o homem a pecar.

Tenho tentado fazer com que os Suernis conheçam a lei para que sejam mestres e não criaturas da circunstância. Entretanto, pelo fato de saberem alguma coisa sobre magia, tendo sido auxiliados pelos “Filhos da Luz” que viviam entre eles, desprezaram maiores feitos e contentaram-se com esse pouco. E mais! Rebelam-se contra a punição própria da natureza luxuriosa que eles gratificam, e me amaldiçoam eloquentemente porque exijo obediência à lei e imponho penalidades quando a mesma é infringida.

Vituperam contra meus irmãos “Filhos da Solitude” que me apoiam e, portanto, é exclusivamente deles a cólera que te causou espécie. Meu povo faz estranhas coisas em tua opinião, poseidano, mas ele não sabe o que faz e ao mesmo tempo pratica maravilhas, desobedecendo a Deus. Não passam de uma corja de feiticeiros que não pratica a magia branca que é benéfica, mas a magia negra que é feitiçaria. Eu desejaria, Ó Zailm de Poseid, ter ensinado ao meu povo a fé, o conhecimento e a caridade, que tornam pura a religião verdadeira. Não achas que ajo bem, meu irmão; que estou certo?” 

Rai Ernon estava sentado no salão do vailx e nesse momento se dirigia a Gwauxln de Poseid através do naim. “Verdadeiramente é assim, meu irmão” -respondeu Gwauxln. Por alguns instantes, o nobre monarca de Suern ficou em silêncio e pude ver lágrimas escorrendo de seus olhos fechados. Quando abriu os olhos iniciou uma peroração a seu povo que, de certa forma, era uma acusação:

“Ó Suernis, Suernis! Dei minha vida por vós! Tenho lutado para levar-vos ao espeid (Éden) e ensinar-vos suas belezas, mas não quisestes! Tentei inclusive fazer de vós a vanguarda de todas as nações, de vosso nome um sinônimo de justiça, misericórdia e amor por Deus; e como respondestes? Eu desejaria ser como um pai para vós e me amaldiçoastes em vosso coração! Mais aguçada que o fio do punhal é a ingratidão! Eu vos teria liderado até as alturas da glória, mas preferistes chafurdar na lama da ignorância como porcos, contentando-vos em fazer o que para outros povos são maravilhas, mas cuja importância ignorais. Sois uma raça de infiéis ingratos, que não creem em Deus, contentes em viver com o pouco que sabeis, ociosos demais para aprender, mais ingratos a Deus que ao vosso Rai. O Suernis! Suernis! Destes-me o desprezo e fizestes meu coração sangrar! Partirei, portanto. Os “Filhos da Solitude” também se afastarão de vosso meio, pois são homens amargamente decepcionados.

E sereis poucos onde agora sois muitos; sereis objeto de chacota dos homens e presa fácil dos saldeus; sim, diminuireis vosso número e esperareis até que os séculos – noventa deles – tenham se escoado para a eternidade. Sofrereis até o tempo daquele que então se chamará Moisés. E de vós se dirá, “Eles são a semente de Abraão”. Ouvi! Tão certo quanto agora o Espírito de Deus está sobre a terra, imanente nos “Filhos da Solitude”, de quem zombais, num dia distante Seu espírito se manifestará e encarnará como o Cristo e será a luz humana perfeita irmanada ao Espírito, e se tornará o primeiro dos Filhos de Deus. Mesmo então não O reconhecereis e o crucificareis, e vosso castigo vos acompanhará por longo tempo, até que aquele Espírito retorne mais uma vez ao coração dos que O seguem e vos encontre espalhados aos quatro ventos! Eis como sereis punidos! De agora em diante ganhareis vosso pão com o vosso trabalho. Não mais tereis poderes de defesa, para que não os useis como arma. Não vos restringirei mais. Meu povo, ó meu povo! Ingratos! Eu vos perdôo, pois não sabeis o quanto vos amo! Partirei, Suernis, Suernis, Suernis!”{(n.t. Aqui temos a origem do povo rebelde que mais tarde seria conhecido como os Hebreus, filhos de Abraão (Brahma) e Sara (Sarasvati)}

O SELO de VISHNU que muito mais tarde se transformaria no selo de David/Salomão na cultura hebraica.

Com estas últimas palavras a voz do nobre rei se transformou num murmúrio e ele enterrou o rosto lacrimoso nas mãos, ficando dolorosamente curvado em silêncio, quebrado apenas por suspiros de desalento. Vários Suernis tinham ouvido suas palavras e saíram discretamente do vailx, dirigindo-se para a cidade. “Rai ni Incal.” Voltei-me para o naim ao ouvir essas palavras e notei que uma grande sombra de tristeza cobria o rosto de meu Rai Gwauxln, que contemplava Ernon, um Filho Adepto como ele. “Rai ni Incal, mo navazzimindi su“, que se traduz por “A Incal o Rai (Ernon) foi para o país dos espíritos que partiram!“

Surpreso, olhei para o Rai Suerni que continuava na mesma posição, envolto pelo mesmo silêncio. Falei com ele mas não obtive resposta. Curvei-me e olhei por entre seus dedos para os belos olhos cinzentos. Estavam fixos, o sopro da vida tinha se extinguido. Sim, verdadeiramente ele partira, tal como prometera havia poucos instantes. “Vem até aqui, Zailm” – ordenou Gwauxln. Fui até o naim e aguardei. “Todos os teus amigos estão no vailx?” “Sim, todos.” “Pois então chama teus guardas e vai até o palácio do Rai Ernon. Convoca os ministros para que venham à tua presença e anuncia a morte de Ernon. Dize-lhes que assumirás a guarda do corpo e traze-o a Poseid. Entre os ministros estão dois homens já idosos que são “Filhos da Solitude”.

Pertencem ao decepcionado grupo de homens de Suern de que falou Ernon. Esses dois saberão que dizes a verdade ao afirmares que Ernon deixou seu Raina (governo) em minhas mãos para que eu decida como melhor me pareça. Mas os outros não saberão e os Filhos deixarão a teu cargo a transmissão dos fatos. Grande será a cólera dos que não são Filhos da Luz, de modo que tentarão destruir-te com seu terrível poder, pois não lhes agradará ouvir que foram depostos de sua autoridade. Não obstante, podes agir sem medo; mantém o ânimo, pois como pode a serpente morder se perdeu as presas?” 

Quando a corte estava reunida diante de mim, de acordo com as instruções de meu Rai, falei o que fora incumbido de falar. A notícia foi recebida com um sorriso cortês pelos dois que reconheci serem Filhos da Solitude, mas os outros demonstraram grande cólera. “O quê? Como ousas, poseidano, nos lançar tal injúria? Nosso Rai está morto? Isso nos alegra! Mas nós, e não tu, procederemos aos ritos fúnebres. Quanto ao que dizes sobre o novo governo de Suern, rimos disso com desprezo! Somos nossos próprios senhores. Deixa nosso governante conosco e quanto a ti, cão, abandona este país!” Como resposta, repeti com ênfase a asserção de minha autoridade.

Confesso que senti medo interiormente quando o rosto de um daqueles homens que jamais sorriam se nublou com intensa raiva e ódio e ele me apontou o dedo, dizendo: “Pois então morrerás!” Não demonstrei covardia, embora temesse perecer no mesmo instante. Não senti o tremor que antecede a morte, embora a fatal ameaça estivesse diante de mim. Gradualmente, a fúria do ministro foi sendo substituída pela surpresa e ele baixou a mão. Mandei meus guardas o levarem preso e amarrado para o vailx. Em seguida falei: “Suern, teu poder te abandonou. Assim falou Ernon. Ele disse que daqui por diante deverás ganhar o pão com o suor do teu rosto. Poseid reinará sobre este país. Eu, Enviado Especial de Gwauxln VII, Rai de Poseid, vos exonero de vossas funções, com exceção dos dois que nos trataram com cortesia e não com desdém. Estes permanecerão aqui, mas não por muito tempo. Nomeio-os regentes de Suern. Estas são minhas palavras.”

Eu havia falado, em grande parte sem autorização. Fiquei tomado pela agonia da dúvida, temendo que Rai Gwauxln me censurasse, mas não deixei transparecer minha fraqueza diante daqueles ingratos. Ao contrário, tomei um rolo de pergaminho e escrevi de memória a fórmula de nomeação de governantes usada na Atlântida, nomeando um dos Incaleni para o cargo. Assinei o documento como enviado extraordinário, após o nome de Gwauxln, usando para isso a tinta vermelha que mandei um mensageiro pedir a Anzimee, no vailx. Meu motivo para indicar um dos Filhos como Regente foi o de que só um deles ficaria em Suern. O outro tinha pedido passagem para Caiphul em meu vailx.

Entregando ao novo Regente sua nomeação, documento que ele recebeu com a observação, “és um homem agora, e não mais um menino”, palavras que, embora cheias de boa intenção, passaram despercebidas por mim naquela ocasião, pois eu estava muito preocupado temendo ter cometido uma exagerada indiscrição. Já de volta ao vailx, chamei o Rai Gwauxln e informei o que tinha feito. Ele me pareceu muito sério e só disse estas poucas palavras: “Volta para casa.”

Não é difícil imaginar meu mal-estar. Não fora repreendido nem elogiado, tendo apenas recebido a ordem de voltar, sem maiores explicações. Foi então que procurei Anzimee. Encontrando-a em sua cabina, contei-lhe toda a história. Nosso Rai era conhecido por sua capacidade de impor severas punições, na forma de descrédito público ou exoneração por abuso de confiança. Anzimee ficou muito pálida mas suas palavras foram de encorajamento: “Zailm, não vejo nada de errado no que fizeste; só não sei por que nosso tio se mostrou tão reticente. Deixa-me oferecer-te uma poção; deita aqui no divã e bebe.” 

Ela colocou algumas gotas de uma droga amarga num pouco de água e me passou o copo. Dez minutos depois eu estava dormindo. Ela saiu da cabina e, como fiquei sabendo mais tarde, chamou seu real tio pelo naim e expôs meu dilema. Ele ficou preocupado com o efeito que suas palavras tinham me causado pois não fora essa sua intenção, segundo disse, acrescentando que o fato nunca teria acontecido se naquele momento não estivesse ocupado resolvendo o complicado problema político surgido com a nova situação causada pela passagem do Rai Ernon. Suas outras palavras foram: “Não te preocupes, chamei Zailm de volta, não para puni-lo, mas por uma razão muito diferente”. 

Dormi muitas horas e, quando finalmente acordei, Anzimee estava sentada ao meu lado e me contou o que Gwauxln tinha dito. Como já estava quase anoitecendo, resolvi voltar para o meu próprio quarto e me preparar para o jantar. No caminho encontrei o “Filho da Solitude” que estava indo para Caiphul conosco. Para ele parecia ser uma grande novidade viajar daquela forma, embora fizesse poucos comentários a respeito. Refletindo sobre isso, concluí que deveria ser mesmo uma novidade estar varando o ar a dezessete milhas por minuto e a uma milha de altitude. Tentei imaginar como se sentia meu passageiro nessa situação, mas após cinco anos de familiaridade com esse meio de transporte foi difícil ter uma ideia de suas reações a tal experiência.


Viajávamos na direção oeste e o Sol pareceu ficar na mesma posição de quando saíramos de Ganje, pois sua velocidade, ou a da Terra, era a mesma que a nossa. Estávamos voando fazia cinco horas e tínhamos coberto mais da metade da distância, que era de mais ou menos sete mil milhas. As duas mil milhas que faltavam levariam mais umas três horas para serem percorridas; um tempo que meu impaciente desejo fazia parecer longo demais e por isso andei de um lado para outro do salão com grande nervosismo. Depois de meus dias de Poseid, conheci um tempo em que um progresso bem mais lento do que aquele teria parecido rápido, mas o passado estava obscurecido por um véu, de modo que não havia nenhum termo de comparação – “O homem nunca é, mas está sempre para ser abençoado.”

Permitida a reprodução, desde que mantido no formato original e mencione as fontes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário