sexta-feira, 17 de maio de 2019

O PODEROSO BANCO PELOTENSE E SUA MALFADADA HISTÓRIA


         
O Banco Pelotense foi uma prestigiosa e forte instituição financeira do Sul do Estado, criada com o intuito de oferecer aporte pecuniário aos cidadãos, de modo especial às empresas e aos agropecuaristas da região sul do Rio Grande do Sul, num momento de forte expansão da economia local.
Desde a segunda metade do século XIX, a pecuária e a indústria saladeril desenvolviam-se fortemente no sul do sul. Cresciam, no centro do país, a mineração e as cultura
s do café e da cana, ainda no regime escravagista. 
Havia uma premente necessidade de alimentação do crescente número de escravos, que as novas atividades demandavam. A indústria saladeril, ou seja, a salga e secagem da carne, para manter suas peculiaridades nutritivas, passou a ser uma das maiores fontes de renda da região sul. 
Como não havia gado nativo por aqui, somente com as missões jesuíticas ele foi introduzido em nossos abundantes campos. Porém, com o acordo entre Espanha e Portugal, em meados do século XVIII, os missionários voltaram para a Europa e o gado ficou abandonado e se foi multiplicando pela própria natureza. Assim, formaram-se duas grandes vacarias: a Vacaria dos Pinhais, na região norte do Rio Grande do Sul e a Vacaria do Mar, nas planícies do litoral sul. 
A indústria saladeril desenvolveu-se com o abate do gado selvagem que havia. Traziam os bois em tropas a pé, conduzido por escravos ou peões a cavalo. Especialmente em Pelotas, havia muitos abatedouros, que foram denominados de charqueadas. Essa carne era levada por embarcações ao centro do país. 
Agência do Banco Pelotense
em São Gabriel, RS
Nesse contexto, surgiu o Banco Pelotense, que facilitou e incrementou as operações industriais e comerciais da região. Servia também de fiel depositário do capital monetário dos empresários e fazendeiros do Sul. Concedia também empréstimos para desenvolver as crescentes empresas que surgiam bem como financiava o crescimento das empresas já instaladas na região. Com o correr do tempo, abriu agências em quase todas as cidades de importância econômica regional. 
A história do Banco Pelotense tem seu início em 1906, quando um grupo de homens de negócios da região conseguiu juntar três mil contos de réis[1] como capital inicial do empreendimento, com o apoio de comerciantes e profissionais liberais. A cinco de fevereiro, em assembléia solene, num clube local, foram aprovados os estatutos do banco e, no dia quinze desse mesmo mês, iniciaram-se efetivamente suas atividades. 
Banrisul - antigo Banco Pelotense -
Av. Marechal Floriano, centro de Pelotas
O controle acionário ficou em poucas mãos. Dos principais acionistas, Plotino Amaro Duarte foi diretor do banco ao longo de toda a sua história, e o coronel Alberto Rosa desde a fundação até sua morte, em 1923. Tinham à frente o Barão de Arroio Grande, Francisco Antunes Gomes da Costa e o senador Joaquim Augusto de Assunção. Esse último era advogado, magistrado, banqueiro, empresário e político. 
A sede provisória do banco passou a funcionar em um sobrado de propriedade de seu diretor Plotino Amaro Duarte. No local, havia uma casa de câmbio de propriedade de Plotino. Esse seleto grupo de ricos e ilustres cidadãos pelotenses mantiveram o controle acionário da instituição. Garantido o controle do negócio, venderam as demais ações remanescentes subscritas em pequenos lotes, que se pulverizaram por numeroso grupo de investidores, espalhados por muitas cidades do Estado, mormente de Porto Alegre. Empresas e instituições também adquiriram títulos do novo banco, inclusive a Santa Casa de Pelotas. 
No primeiro ano de operações, o banco mantinha a matriz, em Pelotas, e uma filial em Rio Grande. No entanto, no ano de 1907, foi expandindo sua área de atuação, abrindo filiais em outras cidades como em Uruguaiana (1907), Porto Alegre (1909), Alegrete (1910), Bagé (1911). A partir de 1912, o banco passa a se expandir mais fortemente com oito novas agências: Caxias do Sul, São Gabriel, Itaqui, São Borja, Cruz Alta, Santa Vitória do Palmar e Alfredo Chaves (hoje Veranópolis). 
O processo de expansão se acelera pelo interior do Estado, com novas agências em Quaraí (1916), Estrela (1916), Cachoeira do Sul (1916), Santa Cruz do Sul (1916), Passo Fundo (1918), Santa Maria (1918), São Vicente (1918), Rosário (1918), e Novo Hamburgo (1918). 
De 1919 em diante, inicia-se a expansão do banco sulino para fora do Estado, com a abertura de sua agência na capital do país, então a cidade do Rio de Janeiro. Depois, fundaram-se novas agências em cidades de maior porte, como em Belo Horizonte (1920), Ponta Grossa (1920), Juiz de Fora (1920), Curitiba (1922). Nesse período, continuou a expansão no Estado abrindo agências Jaguari (1922) e Ijuí (1922). Em 1928, abre agência em Erechim, e em 1929, em Lajeado, Montenegro e Guaporé. 
Passaram, então, a construir prédios suntuosos para abrigar sua agências nas cidades mais importantes, contrastando com as modestas instalações das pequenas cidades. Esses prédios luxuosos levaram o banco a contrair dívidas, com capital significativo imobilizado em construções. 
Além disso, passou a incorporar o controle de outros bancos que se encontravam em precária situação financeira. Chegou mesmo ao exotismo de abrir um escritório em Paris. Também foram instaladas agências de luxo nas cidades de migração italiana e alemã. Assim, os imigrantes, que tinham medo dos bancos, passaram a depositar suas economias no Banco Pelotense. 
Construíram uma sede requintada para abrigar a matriz, em Pelotas. Esse prédio existe até hoje, onde funciona a agência central do Banrisul. Esse excesso progressivo de imobilização prejudicou a liquidez do banco, fazendo com que passasse a enfrentar dificuldades financeiras, cujo efeito final culminou com a sua liquidação. 
Transformado-se em uma imensa agência imobiliária, recebendo as garantias dos clientes que, na maioria das vezes, eram bens imóveis, cuja possibilidade de liquidação tornara-se difícil, pela própria situação da instituição. Sem conseguir saldar suas obrigações junto ao banco, muitos credores foram obrigados a entregar os imóveis dados como garantia, inflacionando ainda mais o mercado imobiliário. 
Outro problema foi o agigantamento excessivamente rápido da instituição, o qual gerou grandes dificuldades administrativas, de modo especial numa época de meios de comunicação muito precários. Como a maior parte das garantias dadas ao banco, como já se afirmou acima, compunham-se de glebas rurais, a liquidez monetária do banco agrava-se sempre ainda mais. Exemplo disso era a situação da instituição financeira pelotense no estado do Paraná. Conforme os documentos de sua liquidação, os títulos de terras nesse estado em mãos do Banco Pelotense ultrapassavam a gigantesca soma mais de cem mil hectares. O que parecia ser uma sólida garantia, tornara-se um entrave. 
Os laços financeiros atrelados ao governo estadual somaram-se aos demais entraves que o banco teve de enfrentar num momento de transição política que se sucedeu no início da ditadura Vargas. 
Quanto ao relacionamento com o governo do Estado, elas, de fato, geraram algumas vantagens ao estabelecimento, especialmente em relação a financiamentos de obras públicas. Porém, quando incorporou a seu patrimônio uma gama de títulos da dívida pública, papéis de difícil resgate, conhecidos negativamente como títulos podres, passa a carregar o ônus das instituições públicas mal administradas. E, o pior, passou a sofrer interferências políticas. 
Socorreu muitos agropecuaristas em banca rota, com queda do governo de Borges de Medeiros, cujos mandatos somavam mais de vinte cinco anos. A essas dificuldades, somaram-se as cosequências do período de carências de todas as ordens, do período que se seguiu após a Primeira Guerra Mundial. As grandes economias da Europa atravessaram uma crise econômico-finaneira sem precedentes. 
A carne, principal produto de exportação da região sul, tornara-se um luxo na alimentação desses países. Também o consumo interno do charque caíra fortemente, já bem antes, com o fim do regime escravocrata. 
Com o início do governo Vargas, o banco sofre mais um golpe. Primeiramente fora um problema de ordem familiar: O sogro de Getúlio, Antonio Sarmano, gerente da agência do Pelotense em Uruguaiana, se suicidara em razão de problemas administrativos internos do banco. Isso provocou a retirada de todas as aplicações da família Vargas na instituição. Somavam-se às últimas razões, o fato político de relevante valor de o banco de Pelotas não ter contribuído com aporte financeiro aos revolucionários. 
Com a queda do consumo de charque, e a consequente introdução dos frigoríficos, que traziam inovações tecnológicas, como o congelamento da carne, a instituição financeira recebe novo golpe. Modernas câmeras de congelamento substituem, com vantagem, o processo de salga, que somente poderia ser feito durante o verão, devido ao excesso de umidade do clima do extremo sul nas demais estações. 
Como ocorrera no Norte e Nordeste do país, em que as modernas usinas de produção de açúcar refinado mataram os primitivos engenhos, também, no sul, o frigorífico matou a charqueada. A elite econômica local, extremamente conservadora, não se modernizou e faliu. Isso gerou a pobreza e a consequente inadimplência de muitos clientes do Banco Pelotense. 
Em 1926, começam as primeiras corridas ao banco para retirar suas reservas com sucessivos boatos de falência da instituição bancária. A pior da corrida aos caixas do Banco Pelotense deu-se por ocasião do fechamento do Banco Popular do Rio Grande do Sul, instituição ligada à religião católica e gerida por padres. Isso se deu em 1930, início da era Vargas. O barulho dessas corridas aos caixas fez com que importantes homens de negócios, bem como ricos poupadores fechassem suas contas na instituição já muito desprestigiada e abalada financeiramente. 
Foi então que os acionistas controladores do banco de Pelotas elaboraram seus planos de recuperação com substancial aporte monetário do Estado e abertura de processo de liquidação. O então Presidente do Estado, Getúlio Vargas, não viu com bons olhos o atendimento às pretensões dos pelotenses e seu banco. 
Quando Getúlio assumiu a presidência da república, continuou insensível aos apelos dos administradores do banco. Seu sucessor na presidência da Província do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, também ignorou os apelos dos gestores do banco. Com Vargas na presidência da república, o promissor banco de Pelotas foi liquidado em janeiro de 1931. Houve necessidade de tropas para protegerem as agências do banco da depredação dos clientes decepcionados. O Banco do Estado do Rio Grande do Sul sucedeu a antiga poderosa instituição bancária, a esse tempo desafortunada por fatos históricos e má gestão daquele que poderia continuar sendo o banco extremo sul do Brasil. 
A manutenção de bancos menores, regionais, alguns com vocações específicas, faz parte da política monetário-financeira de muitos países, como os Estados Unidos e muitos países desenvolvidos da Europa. Desse modo, a soma desses bancos pode pode fazer frente à política escorchante das instituições bancárias mais poderosas. Estas, geralmente são predadoras à economia geral dos países e das economias regionais. 
O Brasil, no entanto, permitiu que as grandes instituições  financeiras engolissem as pequenas instituições, ficando os cidadãos, as empresas e as própria instituições públicas à mercê dos  poderosos aglomerados financeiros. Com uma política financeira de forças financeiras de menor porte, o Banco Pelotense e outros tantos que conhecemos, poderiam estar presentes nas relações financeiras de hoje.
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[1] Conto de réis é uma expressão adotada no Brasil e em Portugal, para indicar um milhão de réis (R$ 1.000.000)


Bibliografia 

CAVICCHINI, Alexis. A história dos bancos no Brasil. Rio de Janeiro: Cop. Editora, 2007. 
Lagemann, Eugenio. O Banco Pelotense e o sistema financeiro regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. 
MINELLA, Ary Cesar. Banqueiros: organização e poder político no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/ São Paulo: ANPOCS, 1988. MÜLLER, Alves, Carlos. A história econômica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1998.

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