As Digitais dos deuses (24)- Ecos de Nossos Sonhos
Posted by Thoth3126 on 10/06/2019
Em alguns dos mitos mais impressionantes e duradouros que herdamos dos tempos antigos, parece que nossa espécie reteve uma recordação confusa, mas persistente, de uma pavorosa catástrofe global. De onde vêm esses mitos? Por que, embora procedam de culturas sem relação entre si, seus temas são tão parecidos? Por que estão imbuídos de um simbolismo comum? E por que falam, com tanta frequência, dos mesmos personagens e enredos padronizados? Se são realmente memórias, por que não existem registros históricos das catástrofes planetárias a que parecem aludir? Poderia acontecer que os próprios mitos sejam registros históricos? Poderia acontecer que essas histórias interessantes e imortais, compostas por gênios anônimos, tenham sido o meio usado para conservar informações desse tipo e transmiti-las ao longo do tempo, antes que começasse a história documentada?
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES”, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização
Capítulo 1: Brasil e o mapa de Piri Reis
Capítulo 2: Rios na Antártida
Capítulo 3: Impressões Digitais de uma Ciência Perdida
Capítulo 4: O Vôo do Condor
Capítulo 4: A Trilha Inca Para o Passado
Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.
Parte IV O Mistério dos Mitos 1. Uma Espécie com Amnésia
CAPÍTULO 24 – Ecos de Nossos Sonhos
E a Arca Flutuou sobre a Face das Águas. Houve na antiga Suméria um rei que buscava a vida eterna. Seu nome era Gilgamesh. Conhecemos suas aventuras através dos mitos e tradições da Mesopotâmia, que foram gravadas em escrita cuneiforme em tabletes de argila cozidas em forno. Milhares desses tabletes, algumas datadas do início do terceiro milênio a.C., foram escavadas nas areias do moderno lraque. Elas contam uma história ímpar de uma cultura desaparecida e nos lembram que, mesmo naqueles dias da alta antiguidade, seres humanos preservavam memórias de tempos ainda mais remotos, tempos dos quais estavam separados pelo intervalo de um grande e terrível dilúvio:
Proclamarei ao mundo as façanhas de Gilgamesh. Ele era o homem para o qual todas as coisas eram conhecidas; ele era o rei que conhecia os países do mundo. Ele era sábio, enxergava dentro de mistérios, conhecia coisas secretas e nos trouxe a história dos dias anteriores ao dilúvio. Ele partiu em uma longa jornada, ficou cansado, esgotado pela viagem. Ao voltar, repousou e gravou em uma pedra toda a história.
A história trazida por Gilgamesh lhe foi contada por um certo Utnapishtim, um rei que governara seu povo milhares de anos antes, que sobrevivera ao grande dilúvio e fora premiado com o dom da imortalidade pelos “deuses”, porque tinha preservado as sementes da humanidade e de todas as coisas vivas.
Isso aconteceu há muito, muito tempo, disse Utnapishtim, numa época em que os deuses (Anunnaki) viviam na terra: Anu, senhor do firmamento, Enlil, o executor das decisões divinas, Ishtar, a deusa da guerra e do amor sexual, e Enki/Ea, o senhor das águas, amigo e protetor natural do homem. Naqueles dias, o mundo fervilhava de atividade, os homens se multiplicavam, o mundo mugiu como um touro e o grande deus foi acordado pelo clamor. Enlil ouviu o clamor e disse aos deuses, reunidos em conselho: “O barulho da humanidade é intolerável e sono não é mais possível devido à balbúrdia.” Em vista disso, os deuses concordaram em exterminar a humanidade.
Enki/Ea, porém, teve pena de Utnapishtim. Falando através da parede de caniço da casa do rei, avisou-o da catástrofe iminente e disse-lhe que construísse um barco, no qual ele e sua família poderiam sobreviver:
Derruba tua casa e constrói um barco, abandona tuas posses e procura a vida, despreza os bens mundanos e salva tua alma. (…) Derruba tua casa e constrói um barco com suas dimensões em proporção – largura e comprimento em harmonia. Põe a bordo do barco as sementes de todas as coisas vivas.
No momento exato, Utnapishtim construiu o barco, da forma ordenada. “Carreguei o barco com tudo o que tinha”, disse ele, “carreguei-o com as sementes de todas as coisas vivas”:
Embarquei todos os meus parentes, embarquei o gado, os animais selvagens da natureza, todos os tipos de artesãos. (…) O prazo foi cumprido. Quando a primeira luz do amanhecer surgiu, uma nuvem negra surgiu da base do céu e trovejou no lugar onde Adad, o senhor da tempestade, cavalgava. (…) Um estupor de desespero subiu ao céu, quando o deus da tempestade transformou a luz do dia em trevas, quando esmagou a terra como se ela fosse uma taça. (…) No primeiro dia, a tempestade soprou feroz e trouxe o dilúvio. (…) Nenhum homem podia ver seu companheiro. Nem os homens podiam ser diferenciados do céu. Até os deuses ficaram com medo do dilúvio. Retiraram-se, subiram para o céu de Anu e agacharam-se nas proximidades. Os deuses acovardaram-se como cães de rua, enquanto Ishtar chorava, e exclamava em voz alta: “Dei à luz a esses meus próprios filhos apenas para encher o mar com seus cadáveres, como se eles fossem peixes?”
Enquanto isso, continuou Utnapishtim:
Durante seis dias e noites o vento soprou, e torrente, tempestade e inundação varreram o mundo, a tempestade e o dilúvio rugiram juntos como hostes em guerra. Ao raiar o sétimo dia, a tempestade vinda do sul amainou, o mar ficou calmo, o dilúvio parou. Olhei para a face do mundo e havia silêncio. A superfície do mar estendia-se tão plana como um telhado. Toda a humanidade retornara ao pó. (…) Abri uma escotilha e luz caiu sobre minha face. Em seguida, curvei-me, sentei-me e chorei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto, pois, por todos os lados, só havia o deserto de água. (…) A quatorze léguas de distância apareceu uma montanha e nela o barco encalhou. Na montanha de Nisir o barco se prendeu fortemente à terra, ficou imóvel e não se mexeu. (…) Quando o sétimo dia amanheceu, soltei uma pomba no ar. Ela voou para longe, mas, não achando lugar para pousar, voltou. Soltei em seguida uma andorinha, ela voou para longe, mas, não encontrando lugar para pousar, voltou. Soltei um corvo, ele viu que as águas haviam baixado, comeu, voou em volta, grasnou e não voltou.
Utnapishtim soube que, nesse momento, era seguro desembarcar:
Verti uma libação sobre o cume da montanha. (…) Juntei madeira, cana, cedro e murta… Quando os deuses sentiram o doce aroma, eles se reuniram como moscas sobre o sacrifício. (…)
Esses textos não são absolutamente os únicos que chegaram até nós, com origem na terra antiga da Suméria. Em outras tabuinhas – algumas delas com quase 5.000 e, outras, menos de 3.000 anos de idade – a figura “semelhante a Noé” de Utnapishtim era variadamente conhecida como Ziusudra, Xisuthros ou Atrahasis. Ainda assim, ele é sempre reconhecível como o mesmo personagem patriarcal, avisado pelo mesmo deus compassivo, que sobrevive ao mesmo dilúvio universal na arca sacudida pela tempestade e cujos descendentes repovoaram o mundo.
Há muitas semelhanças óbvias entre o mito do dilúvio mesopotâmico e a famosa história bíblica de Noé e o dilúvio. Estudiosos discutem interminavelmente sobre a natureza dessas semelhanças. O importante, porém, é que, em todas as esferas de influência, a mesma tradição solene foi preservada para a posteridade – uma tradição que conta, em linguagem vívida, uma catástrofe global e a aniquilação quase total da humanidade.
América Central
Mensagem idêntica foi preservada no Vale do México, muito distante dos montes Ararat e Nisir, ambos situados no outro lado do mundo. No México, cultural e geograficamente isolado das influências judaico-cristãs, e em longas eras antes da chegada dos espanhóis, eram contadas também histórias sobre um grande dilúvio. Como o leitor recordará pelo que dissemos na Parte III, reinava a crença em que o dilúvio assolara toda a terra, ao fim do Quarto Sol.-
“A destruição aconteceu sob a forma de chuvas torrenciais e inundações. As montanhas desapareceram e os homens foram transformados em peixes… De acordo com a mitologia asteca, sobreviveram apenas dois seres humanos: um homem, Coxcoxtli, e a esposa, Xochiquetzal, que um deus avisara do iminente cataclismo. Os dois escaparam em um imenso barco que haviam recebido ordens para construir e desembarcaram no cume de uma alta montanha. Lá desceram e tiveram muitos filhos, todos mudos, que assim permaneceram até que uma pomba, no alto de uma árvore, lhes deu o dom das línguas. Essas línguas diferiam tanto entre si que as crianças não podiam se entender.
Uma tradição centro-americana semelhante, a de Mechoacanesecs, apresenta uma semelhança ainda mais notável com a história contada no Gênesis e por fontes mesopotâmicas. De acordo com essa tradição, o deus Tezcatlipoca resolveu destruir toda a humanidade com um dilúvio, salvando apenas um certo Tezpi, que embarcou em uma espaçosa canoa com a esposa, filhos, e grande número de animais e aves, bem como suprimentos de cereais e sementes, cuja preservação era essencial para o sustento futuro da raça humana. A canoa encalhou no cume de uma montanha, depois de ter Tezcatlipoca ordenado que as águas do dilúvio se retirassem. Desejando saber se era seguro desembarcar nesse momento, Tezpi soltou um abutre que, alimentando-se das carcaças que cobriam a terra, não voltou. Ele enviou outras aves, das quais só voltou o beija-flor, com um galho folhudo no bico. Com esse sinal de que a terra começava a se renovar, Tezpi e família desceram da arca, multiplicaram-se e repovoaram a terra.
Recordações de uma terrível inundação causada por desagrado divino foram também preservadas no Popol Vuh. De acordo com esse texto arcaico, o Grande Deus resolveu criar a humanidade logo depois do início do tempo. Era um experimento e ele começou com “figuras feitas de madeira, que pareciam homens e que falavam como homens”. Essas criaturas caíram em desgraça porque “não se lembravam de seu Criador”:
E assim um dilúvio foi desencadeado pelo Coração do Céu, um grande dilúvio foi formado e caiu sobre a cabeça das criaturas de madeira. (…) Uma pesada resina caiu do céu. (..,) a face da terra se tornou escura e uma chuva negra começou a cair, dia e noite. (..,) As figuras de madeira foram aniquiladas, destruídas, quebradas e mortas.
Nem todos morreram, porém. Tal como os astecas e os mechoacanesecas, os maias de Yucatán e da Guatemala acreditavam que uma figura semelhante a Noé e esposa, “o Grande Pai e a Grande Mãe”, sobreviveram ao dilúvio para repovoar novamente a Terra, tornando-se, dessa maneira, os ancestrais de todas as gerações subsequentes da humanidade.
América do Sul
Passando à América do Sul, encontramos os chibcas, da região central da Colômbia. De acordo com seus mitos, eles viveram inicialmente como selvagens, sem leis, agricultura ou religião. Certo dia, porém, apareceu entre eles um velho de raça diferente. Ele usava barba espessa e longa e seu nome era Bochica. Ele ensinou aos chibcas como construir cabanas e viver juntos em sociedade.
A esposa de Bochica, muito bela, chamada Chia, veio depois dele, mas era má e gostava de contrariar-lhe os trabalhos altruísticos. Uma vez que não podia anular diretamente o poder do marido, usou de meios mágicos para causar um grande dilúvio, no qual morreu a maioria da população. Profundamente irado, Bochica exilou-a da terra para o céu, onde ela se tornou a lua e recebeu o trabalho de iluminar as noites. Ele fez também com que se dissipassem as águas do dilúvio e trouxe para baixo os poucos sobreviventes que haviam se refugiado no cume de uma montanha. Em seguida, deu-lhes leis, ensinou-lhes a cultivar a terra e instituiu a adoração do sol, com festivais, sacrifícios e peregrinações periódicas. Em seguida, dividiu entre dois chefes o poder de governar e passou o resto de seus dias na terra em tranquila contemplação, como asceta. Quando subiu ao céu, tornou-se um deus.
Ainda mais ao sul, os canarianos, uma tribo de índios do Equador, contam uma história antiga de dilúvio, do qual dois irmãos escaparam por terem subido para o cume de uma montanha. À medida que a água subia, o mesmo acontecia com a montanha, de modo que os dois irmãos puderam sobreviver à calamidade. Ao serem descobertos, os índios tupinambás, do Brasil, veneravam uma série de heróis civilizadores, ou criadores. O primeiro desses heróis era Monan (antigo, velho), que eles diziam ter sido o criador da humanidade, mas que em seguida destruiu o mundo com água e fogo… O Peru, como vimos na Parte II, é particularmente rico em lendas sobre o dilúvio. Uma história típica fala de um índio que foi avisado do dilúvio por uma lhama. Juntos, homem e lhama fugiram para uma alta montanha, chamada Vilca-Coto:
Quando chegaram ao alto da montanha, viram que todos os tipos de aves e animais já haviam se refugiado ali. O mar começou a subir e cobriu todas as planícies e montanhas, exceto o cume de Vilca-Coto e, mesmo lá, as ondas batiam tão altas que os animais foram obrigados a se apertarem numa área estreita. (..,) Cinco dias depois, a água recuou e o mar voltou a seu leito. Mas todos os seres humanos, exceto um, morreram afogados e dele descendem todas as nações da terra.
Incas
Os araucnaianos do Chile pré-colombiano preservaram uma tradição que dizia que houve outrora um dilúvio, do qual poucos índios escaparam. Os sobreviventes refugiaram-se em uma alta montanha chamada Thegtheg (a “trovejante” ou “faiscante”), que tinha três picos e a capacidade de flutuar na água. Na extremidade sul do continente, uma lenda dos yamanas, da Terra do Fogo, informa:
“A mulher-lua causou o dilúvio. Isso aconteceu no tempo da grande elevação da superfície da terra. (…) A lua estava cheia de ódio aos seres humanos. (…) Nessa ocasião, todos morreram afogados, com exceção dos poucos que conseguiram escapar para cinco picos de montanhas que a água não cobriu.”
Outra tribo da Terra do Fogo, a pehenche, associa o dilúvio a um prolongado período de escuridão. “O sol e a lua caíram do céu; e o mundo permaneceu assim, sem luz, até que, finalmente, dois condores gigantescos levaram de volta o sol e a lua para o céu.”
América do Norte
Enquanto isso, no outro lado das Américas, entre os inuítes do Alasca, havia a tradição de um dilúvio terrível, acompanhado por um terremoto, que varreu tão rapidamente a face da terra que só uns poucos homens conseguiram escapar em canoas, petrificados de terror, ou refugiar-se nos picos das montanhas mais altas. Os luisenos, da Baixa Califórnia, tinham uma lenda que dizia que uma inundação cobriu as montanhas e destruiu a maior parte da humanidade. Salvaram-se apenas uns poucos, porque fugiram para os mais altos picos e que foram poupados quando a água inundou todo o mundo. Os sobreviventes ali permaneceram até que passou a inundação. Mais ao norte, mitos semelhantes foram registrados entre os hurons.
E uma lenda dos montagnais, grupo pertencente à família algonquina, contava que Michabo, ou a Grande Lebre, com ajuda de um corvo, uma lontra e um rato almiscarado, recriou o mundo. O History of the Dakotas, de Lynd, um trabalho respeitado do século XIX que preservou numerosas tradições indígenas que, de outro modo, teriam sido perdidas, refere-se ao mito iroquês de que “o mar e as águas haviam, um dia, invadido a terra, e toda vida humana foi destruída”. Os chickasaws afirmavam que o mundo fora destruído pela água, “mas que havia sido salva uma família e dois animais de todos os tipos.” Os sioux falavam também de um tempo em que não havia terra seca e quando todos os homens desapareceram.
Água, Água, por Todos os Lados
Até que distância e com que abrangência as repercussões do grande dilúvio chegaram às memórias preservadas em mitos? Até grande distância, sem a menor dúvida. Em todo o mundo são conhecidas mais de 500 lendas que falam do dilúvio e, em um levantamento de 86 delas (20 na Ásia, 3 na Europa, 7 na África, 46 nas Américas e 10 na Austrália e no Pacífico), um pesquisador especializado, o Dr. Richard Andree, concluiu que 62 eram inteiramente independentes das versões mesopotâmicas e hebraicas. Antigos estudiosos jesuítas, que figuraram entre os primeiros europeus a visitar a China, por exemplo, tiveram oportunidade, na Biblioteca Imperial, de examinar um vasto conjunto de obras, composto de 4.320 volumes, que se dizia ter sido herdado de tempos antigos e que continham “todos os conhecimentos”.
Esse grande livro incluía certo número de tradições citando as consequências que se seguiram quando a humanidade se rebelou contra os grandes deuses e o sistema do universo despencou na desordem:
“Os planetas mudaram seus cursos. O céu afundou na direção do norte, o sol, a lua e as estrelas mudaram seus movimentos (inversão dos polos). A terra desfez-se em pedaços e as águas no seu seio jorraram violentas para o alto e inundaram a terra”.
Na floresta tropical de Chewong, na Malásia, os nativos acreditavam que, com grande frequência, o mundo em que viviam, que chamavam de Terra Sete, virava de cabeça para baixo (inversão dos polos) e tudo era inundado e destruído. Não obstante, graças à intervenção do Deus Criador Tohan, a nova superfície plana do que fora antes o lado de baixo da Terra Sete é moldada e transformada em montanhas, vales e planícies. Novas árvores são plantadas e nascem novos seres humanos. Um mito do dilúvio originário do Laos e da região norte da Tailândia diz que seres chamados thens viviam há muito tempo no alto reino, enquanto os senhores do baixo mundo eram três grandes homens, Pu Leng Seung, Khun K’na e Khum K’et.
Certo dia, os thens anunciaram que, antes de tomar qualquer refeição, os homens deveriam lhes dar uma parte da comida, como sinal de respeito. Os homens recusaram-se a cumprir a ordem e, irados, os thens provocaram um dilúvio que destruiu toda a terra. Os três grandes homens construíram uma jangada, no alto da qual fizeram uma pequena casa e embarcaram com certo número de mulheres e crianças. Dessa maneira, eles e seus descendentes sobreviveram ao dilúvio. De forma semelhante, os karens da Birmânia têm tradições de um dilúvio global, do qual dois irmãos se salvaram em uma jangada. Um dilúvio do mesmo tipo faz parte da mitologia do Vietnã, na qual se diz que um irmão e uma irmã sobreviveram dentro de um grande caixão de madeira, que continha também dois espécimes de todos os tipos de animais.
Vários povos aborígines australianos, especialmente aqueles cujas terras tradicionais se situavam ao longo da costa tropical no norte, atribuem sua origem a uma grande inundação, que acabou com a terra e a sociedade anteriores. Paralelamente, nos mitos sobre a origem de certo número de outras tribos, a serpente cósmica Yurlunggur (associada ao arco-íris) é julgada responsável pelo dilúvio. Existem também tradições japonesas, de acordo com as quais as ilhas do Pacífico na Oceania foram formadas depois de baixarem as águas de um grande dilúvio. Na própria Oceania, um mito dos habitantes nativos do Havaí conta que o mundo foi destruído por uma inundação e, mais tarde, recriado por um deus chamado Tangaloa. Os samoanos acreditam que, no passado, aconteceu uma inundação que destruiu quase toda a humanidade. Só sobreviveram dois seres humanos, que se fizeram ao mar em um barco que, finalmente, chegou à terra no arquipélago samoano.
Grécia, Índia e Egito
No outro lado do mundo, a mitologia grega era também assombrada por memórias de um dilúvio. Neste caso, porém (como, aliás, na América Central), a inundação não era vista como um evento isolado, mas como uma etapa em uma série de destruições e recriações do mundo. Os astecas e maias falavam em termos de “Sóis”, ou épocas sucessivas (das quais pensavam que a nossa era a quinta e última). De forma semelhante, as tradições orais da Grécia antiga, compiladas e redigidas por Hesíodo no século VIII a.C., relatam que, antes da presente criação, houve quatro raças anteriores de homens. Julgavam os gregos que cada uma delas fora mais adiantada do que a que a seguiu. E todas elas, na hora aprazada, haviam sido “engolidas” em um cataclismo geológico.
A primeira e mais antiga criação fora a “raça de ouro” da humanidade, que “vivera como os deuses, sem cuidados, sem problemas ou sofrimentos… Dotados de corpos que não envelheciam, eles se regalavam em seus banquetes… Quando morriam, era como homens vencidos pelo sono”. Com a passagem do tempo e por ordem de Zeus, a raça de ouro “mergulhou finalmente nas profundezas da terra”. Foi sucedida pela “raça de prata”, suplantada pela “raça de bronze”, substituída por sua vez pela raça dos “heróis” e seguida pela raça de “ferro” – a nossa -, a quinta e mais recente criação. O destino da raça de bronze é o que mais nos interessa aqui.
“Conhece-te a ti mesmo e conheceras todo o universo e os deuses, porque se o que tu procuras não encontrares primeiro dentro de ti mesmo, tu não encontrarás em lugar nenhum”. – Frase escrita no pórtico do Templo do Oráculo de Delphos, na antiga Grécia.
Descrita nos mitos como tendo “a força de gigantes e mãos poderosas em braços poderosos”, esses homens formidáveis foram exterminados por Zeus, o rei dos deuses, como castigo pelas más ações de Prometeu, o titã rebelde que deu o fogo à humanidade. o mecanismo usado pela vingativa divindade para limpar a terra foi uma inundação que a tudo cobriu. Na versão mais conhecida da história, Prometeu engravidou uma humana. Ela lhe deu um filho, chamado Deucalião, que governou a Pítia, na Tessália, e tomou como esposa Pirra, “a ruiva”, filha de Epimeto e Pandora. Quando Zeus tomou a terrível decisão de destruir a raça de bronze, Deucalião, avisado por Prometeu, construiu uma caixa de madeira, encheu-a de “tudo que era necessário” e entrou nela com Pirra. O rei dos deuses despejou dos céus chuvas torrenciais, inundando a maior parte da terra.
Toda a humanidade pereceu no dilúvio, exceto alguns que haviam fugido para as montanhas mais altas. “Aconteceu também nesse tempo que as montanhas da Tessália foram fendidas ao meio e toda a região, até o Istmo e o Peloponeso, tornou-se um único lençol de água.” Deucalião e Pirra flutuaram nessa caixa durante nove dias e nove noites e chegaram finalmente ao monte Parnaso. Aí, quando cessaram as chuvas, desembarcaram e fizeram sacrifício aos deuses. Em resposta, Zeus enviou Hermes a Deucalião, com permissão para pedir tudo que quisesse. Ele quis seres humanos. Zeus ordenou-lhe que pegasse pedras no chão e que as jogasse por cima do ombro. As pedras jogadas transformaram-se em homens e, as jogadas por Pirra, em mulheres. Da mesma forma que os hebreus se lembravam de Noé, os gregos dos tempos históricos lembravam-se de Deucalião – como ancestral da nação e fundador de numerosas cidades e templos.
Uma figura semelhante era reverenciada na Índia védica há mais de 3.000 anos. Certo dia (conta a história), quando um sábio chamado Manu estava fazendo suas abluções, encontrou, na concha da mão, um peixinho, que lhe implorou que o deixasse viver. Sentindo pena do peixinho, ele o colocou em um jarro. No dia seguinte, porém, o peixinho crescera tanto que ele teve que levá-lo para um lago. Logo depois, o lago ficou pequeno demais. “Jogue-me no mar”, pediu o peixe [que era, na realidade, uma manifestação do deus Vishnu], “e eu me sentirei mais confortável.” Em seguida, ele avisou Manu do dilúvio que estava por acontecer. Enviou-lhe um grande navio, com ordens para que o enchesse com duas criaturas vivas de todas as espécies e sementes de todas as plantas, e que, em seguida, subisse para bordo.
Restos da Arca de Noé teriam sido encontrados no Monte Ararat, na Turquia
Manu mal havia acabado de cumprir as ordens quando o oceano subiu e submergiu tudo e nada mais podia ser visto, exceto Vishnu em sua forma de peixe – nesse momento uma criatura enorme, de um único chifre e escamas douradas. Manu amarrou o navio no chifre do peixe e Vishnu rebocou-o pelas águas altas até parar no cume da “Montanha do Norte”: o peixe disse: “Eu te salvei, amarra o navio a uma árvore, porque a água pode varrê-lo para longe, enquanto estiveres na montanha e, na proporção em que as águas descerem, tu também descerás.” Manu desceu com as águas. O Dilúvio havia destruído todas as criaturas e Manu permaneceu sozinho.
Com ele, e com os animais e plantas que ele salvara da destruição, começou uma nova era no mundo. Após um ano, das águas emergiu uma mulher, que se apresentou como “a filha de Manu”. Os dois casaram e tiveram filhos, tornando-se, dessa maneira, os ancestrais da atual raça da humanidade. Por último, mas não menos importante, as tradições egípcias referem-se também a uma grande inundação. Um texto funerário descoberto na tumba do Faraó Seti I, por exemplo, conta a destruição, por um dilúvio, da humanidade pecadora. As razões da catástrofe estão expostas no Capítulo CLXXV do Livro dos Mortos, que atribui o discurso seguinte ao Deus da Lua, Thoth:
Eles lutaram entre si, açularam conflitos, praticaram o mal, criaram hostilidade, cometeram massacres, causaram problemas e opressão… [Por conseguinte], vou apagar tudo que fiz. Esta terra entrará em um abismo aquoso por intermédio de uma inundação furiosa e ela se tornará vazia como no tempo primevo.
Na Pista de um Mistério
Com as palavras de Thoth fechamos o círculo, que inclui os dilúvios sumeriano e bíblico. “A terra estava corrompida à vista de Deus, e cheia de violência”, diz o Gênesis:
Viu Deus a Terra e eis que estava corrompida, porque todo ser vivente havia corrompido seu caminho na terra. Então disse Deus a Noé: “Resolvi dar cabo de toda a carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra”.
Tal como a inundação de Deucalião, a inundação de Manu, a inundação que destruiu o “Quarto Sol” dos astecas, o dilúvio bíblico foi o fim de uma era mundial. Uma nova era sucedeu-a: a nossa, povoada pelos descendentes de Noé. Desde o próprio início, porém, estava entendido que esta era também acabaria no seu devido tempo, em um fim catastrófico. Ou como diz uma velha canção: “Deus deu a Noé o sinal do arco-íris; não mais água, será o fogo, na próxima vez.” A fonte escritural dessa profecia de destruição do mundo é encontrada em 2 Pedro, versículo 3:
Amados, escrevo-vos agora esta segunda carta, em ambas as quais desperto com exortação o vosso ânimo sincero; Para que vos lembreis das palavras que primeiramente foram ditas pelos santos profetas, e do nosso mandamento, como apóstolos do Senhor e Salvador. Sabendo primeiro isto, que nos últimos dias virão escarnecedores, andando segundo as suas próprias concupiscências, E dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? porque desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação. Eles voluntariamente ignoram isto, que pela palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus, e a terra, que foi tirada da água e no meio da água subsiste. Pelas quais coisas pereceu o mundo de então, coberto com as águas do dilúvio, Mas os céus e a terra que agora existem pela mesma palavra se reservam como tesouro, e se guardam para o fogo, até o dia do juízo, e da perdição dos homens ímpios. Mas, amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia. O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se. Mas o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão. 2 Pedro 3:1-10
A Bíblia, por conseguinte, imagina duas eras do mundo, sendo a nossa a segunda e a última. Em outros locais, em outras culturas, são registrados diferentes números de criações e destruições. Na China, por exemplo, as eras desaparecidas são denominadas kis, dez das quais teriam passado desde o começo dos tempos até Confúcio. Ao fim de cada ki, “em uma convulsão geral da natureza, o mar sai de seu leito, montanhas saltam da terra, rios mudam seus cursos, seres humanos e tudo mais são arruinados, e apagados os traços antigos…”
As escrituras budistas falam dos “Sete Sóis”, todos eles levados ao fim por água, fogo, ou vento. Ao fim do Sétimo Sol, o atual “ciclo mundial”, é esperado que a “terra irrompa em chamas”. Tradições aborígines de Sarawak e Sabah lembram que o céu foi outrora “baixo” e nos dizem que “seis Sóis pereceram (…) No presente, o mundo é iluminado pelo sétimo Sol”. Analogamente, os Livros Sibilinos falam em “nove Sóis que são nove eras” e profetizam duas eras ainda por vir – as do oitavo e do nono Sol”. No outro lado do oceano Atlântico, os índios Hopi (que são parentes distantes dos astecas) mencionam três Sóis anteriores, todos culminando em uma grande aniquilação, seguida do reaparecimento gradual da humanidade. Na cosmologia asteca, claro, houve quatro Sóis antes do nosso. Essas pequenas diferenças sobre o número exato de destruições e criações mencionadas nesta ou naquela mitologia não devem nos fazer esquecer a convergência notável das tradições antigas.
Profecia dos Hopis esta gravada na rocha
Em todo o mundo, essas tradições parecem rememorar uma série de catástrofes. Em muitos casos, o caráter de cada cataclismo sucessivo é obscurecido pelo uso de linguagem poética e o acúmulo de metáforas e símbolos. Com grande frequência, além disso, pelo menos dois diferentes tipos de calamidade podem ser descritos como tendo ocorrido simultaneamente (com mais frequência, inundações e terremotos, embora, às vezes, fogo e apavorante escuridão). Tudo isso contribui para a criação de um quadro confuso e atabalhoado. Os mitos dos Hopi, porém, destacam-se por sua franqueza e simplicidade. E o que eles nos dizem é o seguinte:
O primeiro mundo foi destruído, como castigo de más ações praticadas pelo homem, por um fogo consumidor, que veio de cima e de baixo. O segundo mundo terminou quando o globo terrestre inclinou-se para a frente a partir de seu eixo e tudo foi coberto pelo gelo. O terceiro mundo terminou em um dilúvio universal. O atual mundo é o quarto. Seu destino dependerá de seus habitantes se comportarem ou não de acordo com os planos do Criador.
Aqui, estamos na pista de um mistério. E muito embora não possamos jamais alimentar a esperança de sondar os planos do Criador, podemos chegar a uma conclusão sobre o enigma de mitos convergentes de destruição global. Através desses mitos, os antigos nos falam diretamente. E o que é que estão tentando nos dizer?
Mais informações, leitura adicional:
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