Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Para meus colegas, no dia do professor.
Criei-me entre os silêncios das montanhas e o murmúrio alegre dos riachos. Não tínhamos vizinhos. Morávamos num ermo perdido no fundo de uma estância. Mas, um dia, fui apresentado à professorinha do campo.
Criei-me entre os silêncios das montanhas e o murmúrio alegre dos riachos. Não tínhamos vizinhos. Morávamos num ermo perdido no fundo de uma estância. Mas, um dia, fui apresentado à professorinha do campo.
Quase nada sabia... sabia que não sabia... ensinava tudo o que sabia... e os alunos aprendiam tudo... mesmo o que ela não sabia...e fiquei deslumbrado com sua beleza, com sua sabedoria... como podia ela saber tudo?
Ah, os sábios... o verdadeiro sábio sabe... sabe que não sabe nada... Mas, afinal, em que consiste o saber?
Desde cedo, aprendi com a professorinha do campo, que saberes não se transmitem. A sabedria e o entendimento cada um os constrói a partir de seu mundo interior. Não há um saber que migre de uma mente para outra. O discurso do mestre provoca no espírito do aluno construtos sobre os quais somente este último tem ingerência.
Então percebi que ela sabia tudo. Com seu olhar meigo, com sua voz rígida, com sua seriedade de sempre, ela sabia tudo o de que precisávamos. Nunca ninguém duvidou disso.
No tempo em que quase não havia automóveis, os campos eram bordados de trilhos que levavam os pedestres a todos os lugares. Um desses era o que me conduzia para a escola. Muito cedo, sacolinha de pano ao ombro, um só livro, sempre o mesmo, e lá nesse caminho o sol me surpreendia já longe de casa e me espiava por detrás das árvores e montanhas. E eu via olhos enormes nas árvores escuras da mata lateral do trilho. E temeroso a circundava com um medo que todos os dias me perturbava.
Pelo fim da manhã retornava. E o sol me acompanhava na volta com seu olho enorme crestando meus cabelos. Foi aí que ele descobriu onde eu morava.
Depois, surprendeu-me, numa noite luminosa, a lua que me conduziu até minha casa por entre temores e árvores. E assim fui criando intimidade com os astros. Vênus, a estrela, vésper, descobri muito depois que era também a estrela da manhã, pois Vênus povoou minha alma de novos sonhos e anuviou-me o espírito com suas inquietudes.
Em seguida, Mercúrio, com seu pequeno ponto perto do Cruzeiro, introduziu-me nos meandros incertos da linguagem.
E também me fiz mestre sem que a isso me atirasse. Peplexo, no princípio, diante da espectativa dos alunos lembrei-me, então, da professorinha do campo e pelos passos dela orientei os meus...
E descobri, mais perplexo ainda, que eu era um artífice das descobertas. A cada dia mais apaixonado pelo meu ofício, surpreendi o crescimento daqueles que me acompanhavam. Lento como o crescer das plantas e das flores do bosque. E entendi o respeito que deveria ter pelas descobertas deles, cada um a seu modo e no seu próprio ritmo.
Foi então que mais se me aclarou a voz da professorinha do campo. Os alunos recordavam ter eu dito isso e aquilo... Depois de anos, encontros inesperados... lembro-me de uma aula em que o senhor falava de... Mas, surpreso, tinha certeza que nunca havia dito aquilo...
Só então a sábia voz da professorinha do campo voltou aos meus ouvidos. Havia dito, sim. Para cada um deles tinha dito coisas diferentes... E na eterna polissemia da linguagem... cada um entendia o meu discurso de acordo com seu mundo, suas espectativas e angústias...
Caros colegas de caminhada, não esqueçamos jamais os primeiros mestres. Amo ser mestre, amo os alnos, amo vocês. Feliz dia do professor!
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