segunda-feira, 28 de agosto de 2017

TONICIDADE, SINTAXE, SEMÂNTICA E ARTE




Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Todo texto é uma peça, ao modo de uma composição musical. Tem um ritmo ditado pelas palavras empregadas, mas que emana do espírito de quem escreve, sem que ele tenha consciência disso. Assim, nada está desligado da formação geral. Nesse todo, as palavras fundamentais, que são os substantivos e seus modificadores nominais, de modo essencial os adjetivos; os verbos e seus principais modificadores, ou sejam, os advérbios, que os intensificam, abrandam, reforçam, negam, etc., nesse emaranhado, sucessivamente vão criando o ritmo; e os elementos secundários, como conectores, retomadas pronominais sutis, todas essas categorias se vão encaixando e tomando forma para que emerja o conjunto final, sob o qual escondem-se uma estrutura formal, a qual constrói uma alma repleta de encantos sonoros e significativos. O leitor, com a sutileza de seu toque pessoal, dá nova vida a cada nova leitura. Cada leitor reproduz o texto com a tonalidade e o sabor próprios de sua alma individual. E de seu patamar de observador, superam-se imperfeições formais, e emergem sentidos novos dos quais o produtor jamais poderia suspeitar. Daí, a eterna polissemia da linguagem.
Assim, como numa peça musical, nada pode ficar solto, nem sintática, nem foneticamente. É por isso que os átonos, basicamente pronomes oblíquos e preposições, obrigatoriamente têm de estar ligados a um nome, a um verbo ou a qualquer dos elementos que a eles se liguem para não haver quebra estrutural. E, como eles, todo e qualquer elemento que esteja presente na estrutura textual de uma composição, independente de seu gênero, deve estar inserido nessa cadeia de ligações desde a estrutura mais elementar ao mais complexo e artístico dos seus efeitos. 
Quando Camões diz: 
"Roga a Deus, que teus anos encurtou, 
Que tão cedo 'de' cá me leve a ver-'te', 
Quão cedo de meus olhos te levou." 
Esse conector preposicional 'de', átono, somente cabe no verso porque está apoiado na tonicidade do modificador adverbial de lugar 'cá', que recupera a situação de estar entre os vivos, em que se situa o poeta. Por outro lado,os elementos que se seguem remetem a um 'te', pronominal também átono, ancorado foneticamente na forma verbal 'ver' que aponta para um lá. Constrói, desse modo, uma ligação fonético-ritmica entre 'te' e 'ver', cujo efeito é uma construção semântica, ligando o poeta cá na terra a sua amada no paraíso. 
Por esta pequena abordagem, pode-se perceber a função das estruturas fonético-fonológicas, recuperadas pelas ligações sintáticas, cujos laços conduzem a um produto semântico-significativo e um universo artístico de linguagem, sentido e vida. 
Isso se dá com qualquer texto, literário ou informativo, pois se trata de uma manifestação simbólica que parte de um espírito rumo a tantos outros, quantos forem seus leitores intérpretes.

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