Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
A primeira observação que se precisa fazer ao olhar para
Hong Kong é a sua densidade populacional. Para tal, vou fazer uma comparação
com o município de Rio Grande, Rio Grande do Sul.
Nosso município tem uma
área de 2.813 km², Hong Kong, por seu lado, tem uma
área de 1.104 km², menos da metade, portanto. Porém, o que
contrasta conosco é a densidade populacional.
Enquanto em Rio Grande vivem em torno de 207.000 habitantes, em 2014, em
Hong Kong, 7.184.000. Nossa densidade populacional é de 0,07, a de Hong
Kong é de 6.544 habitantes por km². Para se ter uma noção das consequências disso, Trago um fato particular. Em 2004 fui
convidado para um congresso de linguística nessa cidade e, pelo excesso
de compromissos, não pude comparecer ao encontro, mas duas colegas que lá estiveram contaram-me que
há guardas sobre pedestais na rua para comandar o movimento das pessoas.
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HONG KONG MAP |
Caso um grupo pare para uma conversa em local movimentado, o guarda dá um
comando de apito para que sigam andando para não congestionar a cidade. É um
dos lugares de maior densidade populacional do mundo. É como se quase toda a
população do Rio Grande do Sul vivesse em um espaço como o do município de Rio
Grande.
Pois, politicamente também há hoje, nesse lugar, uma situação complicada. Desde 1841, essa região pertencia à
Inglaterra, como veremos mais adiante. Porém, em 1 de julho de 1977 foi
devolvida à China.
Organizou-se, a partir desse ano, um sistema administrativo específico para a cidade, concedendo-lhe grande
independência em relação à administração chinesa. Criaram-se duas RAE (Regiões
Administrativas Especiais) dentro da República Popular da China: Hong Kong, e a
ex-colônia portuguesa Macau.
Hong Kong, assim, passou a reger-se por um sistema político diferente do da China
Continental. O judiciário independente de Hong Kong funciona no
âmbito da Common law (do
inglês "direito comum") sistema que se desenvolveu em alguns
países: neles, as leis emergem de decisões dos tribunais e não mediante atos dos
legislativos e executivos. Além do mais, haveria um administrador local eleito
democraticamente.
A Lei Básica, ou seja, a
constituição dessa espécie de cidade-estado devia ter um elevado grau de
autonomia, em todas as esferas. Ficaria dependente da China apenas no que diz
respeito às relações internacionais e à defesa militar. Foi eleito pela
população, para chefe do executivo Tung Chee-hwa. Ocorre que o governo central
da China nunca olhou com bons olhos essa independência.
Começou, o governo de
Pequim, em 2003, por criar leis que restringiam os direitos civis do cidadão,
como leis de antissubversão. Houve, nesse ano, movimentos de rua contra essas
limitações. Em 2005, os burocratas de Pequim proibiram as eleições previstas
para 2007 e adiaram sine die a expansão do número de juízes
popularmente eleitos.
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Visão panorâmica de Hong Kong |
Depois de realizarem, por pressão, um processo eleitoral, uma
multidão de manifestantes tomou as ruas novamente para criticar o governo. Acontece
que o resultado das eleições deu ampla maioria aos candidatos pró-democracia,
que conseguiram 60% dos votos nas eleições de setembro de 2004, enquanto os
pró-Pequim garantiram apenas 40% das cadeiras na legislatura.
Depois de inúmeras manifestações de insatisfação contra seu
governo, o primeiro executivo eleito Tung Chee-hwa abandonou o poder em março
de 2005, alegando problemas de saúde. Muitos especuladores acreditam que ele
tenha sido forçado a renunciar. Donald Tsang, vice do governante anterior,
tornou-se chefe do executivo de Hong Kong.
Por fim, em 2012 procederam-se novas eleições e o candidato
Pró-Pequim Leung Chun-ying, conhecido como C. Y. Leung, foi eleito como
terceiro chefe do executivo de Hong Kong.
Mas, é necessário fazer
uma retrospectiva histórica para recuperar duas grandes ocorrências com relação
a Hong Kong: primeiramente o modo como a região se tornou possessão inglesa; depois, a relação com a República Popular da China, especialmente durante o
conflito entre Mao Tse Tung e Chiang
Kai-shek que resultou no governo comunista de Pequim.
No século XIX, a
Inglaterra e a França dominavam o comércio internacional, com a decadência do
império espanhol. A Inglaterra tomara a Índia do domínio Francês nos meados do
XVIII. A França continuava com seu domínio sobre a China e todo o sudeste
asiático, mantendo domínio comercial sobre países como Vietnam, Camboja e
adjacências.
No século XIX inicia-se
um processo imperialista mais agressivo em que as próprias frotas dos países dominadores do comércio internacional,
fortemente armadas, impunham o próprio monopólio. O ópio era uma mercadoria que
proporcionava grandes lucros. Os ingleses produziam o entorpecente na sua
colônia da Índia. Porém, a China não permitia o ingresso desse produto em seu
território. Ocorreu, entre 1839 e 1842, a operação militar conhecida como Guerra do Ópio. A Inglaterra
se impôs com seu poderio bélico e tomou a região de Hong Kong, um profundo
porto natural, para fazer seu ponto de comércio para o território chinês.
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Hong Kong - parte insular |
Outro fato histórico
importante envolvendo a região de Hong Kong foi a Revolução Comunista Chinesa. Chiang
Kai-shek foi o líder da República Chinesa desde 1927. Chefiou as guerras sino-japonesas,
recebendo mesmo o apoio dos comunistas liderados por Mao Tse Tung. Porém, entre
1946 e 1950, enfrentou os comunistas de Mao, que de há muito militavam no interior do país, e foi derrotado. Nesse ano de 1950, Chiang Kai-shek faz um
acordo com Mao, abandona a China e recolhe-se para a ilha de Formosa, onde
forma a China Nacionalista, hoje Taiwan. Foi durante a guerra civil chinesa que
muitos inimigos do comunismo se estabeleceram em Hong Kong, aumentando mais ainda sua população.
A Inglaterra, de há
muito temia perder pela força esse enclave no território chinês, com o
crescimento do poderio militar e depois econômico da China. Além do mais, não
representava mais importante negócio. Hong Kong, por seu lado, tem uma poderosa bolsa de
valores, uma indústria sofisticada e uma posição militar significativa para os
chineses, voltada para Taiwan, o Japão e o Oceano Pacífico. Além do mais,
pertencendo a uma potência europeia, é uma posição do ocidente em seu
território.
Os movimentos anti-chineses de agora em Hong Kong têm profundos laços com sua longa história ligada ao ocidente, relacionada a processos filosófico-ideológicos. Isso pode ter resultados político-militares imprevisíveis.